Entre o barro e o leite

Em sua produção, Lorena D’Arc transita entre a artesania e articulações simbólicas de alto valor, que contribuem para ampliar as noções daquilo que entendemos por Arte. Em suas palavras, seus trabalhos desenham uma trilha entre o arcaico e o contemporâneo e demonstram uma grande harmonia entre o fazer empírico e a pesquisa teórica, colocando em evidência a noção de “poiética” proposta por René Passeron, como uma espécie de “ciência da arte que se faz”.

Pensar que a arte se faz é, em parte, aprender a abraçar o acaso e as sincronicidades, fato recorrente no processo da artista. Como por exemplo, quando encontrou as cápsulas de vidro que utiliza em muitas de suas obras, dentro de uma caixa, esquecidas e prestes a serem jogadas fora. Ali, elas haviam esperado por Lorena desde 1964, o ano de seu nascimento.

Sua relação com o barro, data de 1985 quando iniciou nas aulas de modelagem na Escola Guignard, onde foi aluna, professora e de onde atualmente é diretora. Porém a associação do barro com o leite começou por um sonho que teve em setembro de 2009; no qual, ela ia ao encontro de um mestre, segurando um vidro hermeticamente fechado contendo leite em seu interior. Acompanhados por uma chola[1] silenciosa, mas com um olhar que denotava grande sabedoria e no momento em que entregava o recipiente ao mestre, por um descuido, o derrubava e derramava o leite sobre o chão seco de terra que aos poucos, o absorvia.

Desde então, Lorena vem repetindo esse ato de derramar leite sobre a terra em sua produção – ora propositalmente, a exemplo da performance Derrame (2018); ora a serviço do acaso, como quando um dos fios de argila de seu Liame se rompe no final do ensaio fotográfico em que produziu a série Árvore Láctea (2018). Dessa maneira, a artista traz para sua produção certa qualidade mística, sua atuação por vezes se confunde entre os papéis de artista, pesquisadora, educadora e de Xamã[2], ao mesmo tempo que seu processo criativo se confunde com uma ritualística. Embora Lorena não vincule sua produção a nenhuma corrente religiosa, sua obra transmite uma ideia de oráculo e em vários momentos, acaba por representar a tríplice do Sagrado Feminino: a donzela, a mãe e a anciã.

Ela interpretou o sonho que teve como “uma metáfora para a vida: a de compartilhar com sabedoria o conhecimento que se tem, tendo as mãos livres para acolher o novo.” (OLIVEIRA, Lorena D’Arc. 2018) Assim, compartilha sua pesquisa com generosidade e nos apresenta um enorme conjunto de referências iconográficas e iconológicas, organizado por ela em função de outro aspecto da obra que se faz, as questões que os materiais impõem à prática artística.

A artista trata tanto o barro, quanto o leite como matérias-primas e como símbolos. Logo, seus estudos vão de Rudolf Steiner criador da medicina antroposófica à Karl Lagerfeld, renomado estilista que por muitos anos esteve à frente da maison Chanel. Com evidência às manobras simbólicas realizadas a partir da utilização do leite ou alusão a ele, por artistas contemporâneos, como Rosana Paulino, Ai Weiwei, Marina Abramovic, Maria Laet, Ronit Baranga, Louise Bourgeois e Wolfgang Laib. Bem como ao emprego mítico, sobretudo desse segundo elemento, em culturas ancestrais como a Yorubá, a do Povo Tukano e por boa parte da história da arte, realizando apontamentos da arte egípcia ao pintor holandês, Vermeer.

Sua vasta produção abarca experiências em desenho, cerâmica, performance, videoarte e instalações, caracterizando Lorena como uma artista multimídia. Em peças como as da série Oca e Láctea (2018) as formas do seio, do útero e da chaleira se fundem. Já em Ártemis (2018) resume relações que propõe diversas vezes ao longo de sua trajetória entre o duro e o mole, o cru e o cozido, o orgânico e o inorgânico, o utilitário e o decorativo.

As obras de Lorena D’Arc nos induzem a um olhar atento, curioso e investigativo. Cumprem o que podemos considerar como a mais bela das funções da Arte: educam. Pois elas nos possibilitam tratar de assuntos que vão desde a condução de uma pesquisa em Artes Visuais e seus desdobramentos, a outros que vão mais ao encontro do público geral – o direito das mulheres, dos animais, a valorização dos saberes ancestrais e sua aplicação na contemporaneidade. Ela apreende em seus trabalhos o mesmo simbolismo do leite de vida primordial, conhecimento e sabedoria. E, assim como esse faz para os corpos dos lactentes, nutrem a alma daqueles que permitem que em si, eles se derramem.

[1]  Na Bolívia, chola é uma denominação étnica referida a mulheres mestiças. O termo aplica-se de maneira contemporânea àquelas que utilizam vestimentas tradicionais estabelecidas durante o processo inicial de mestiçagem no atual território boliviano, e também se estende às outras mulheres mestiças e indígenas. (Wikipédia)

[2]  Nas palavras de Lorena, “ser Xamã é buscar sintonia com o ‘ser’ de forma cosmoética. ‘Ser’ no sentido micro e macro.”


Ada Medeiros é graduou-se no Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design da UFJF. Atua como artista visual desde 2018 e possui pesquisa com experiências em desenho, pintura e fotografia. Une seu processo de criação à busca por autoconhecimento e investiga questões acerca de gênero e sexualidade, além de tratar da efemeridade da vida, da fragilidade e da fragmentação do ser


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