TETRIS

Nunca fui um grande exemplo de organização. Me lembro de ter 8 anos e ir visitar minhas amigas e perceber que todos os quartos eram sempre mais arrumados que os meus. Os brinquedos sempre impecáveis na estante, os cadernos empilhados em ordem de uso. Na adolescência, meu namorado organizava os livos pela cor da capa, criando um perfeito degradê na estante. Sempre me culpei por minha falta de ordem, tentava me justificar dizendo que podia gastar o meu tempo de formas melhores do que jogando tetris na vida real com todos os meus pertences.

Para que eu pudesse ter o mínimo de ordem nas minhas coisas, desenvolvi uma técnica que me ajudava a manter as coisas relativamente no lugar. Eu comecei a tirar todas as minhas coisas do lugar de uma vez. Jogava pelo chão, colocava em lugares inconvenientes. Assim, me sentia tão incomodada que era impossível adiar a tarefa.

Passei a aplicar a regra para outras situações da minha vida. Quando precisava ter uma conversa que gostaria de evitar com alguém, fazia uma tempestade nos ouvidos do meu receptor até que o assunto se tornasse inevitável. Apagava parágrafos e mais parágrafos de escritos para que minhas mãos finalmente pousassem no teclado movidas pela pressão do prazo de entrega. Dizem que nosso cérebro é moldável. Eu condicionei minha mente a esperar tudo sair do lugar antes de conseguir foco para acertar as pontas soltas. O problema disso é que agora só consigo respirar fundo quando meus pulmões já estão ardendo pela falta de ar.

 Estou sentada no chão de madeira olhando para minha velha estante que tenho desde a infância. Ela tem coisas demais, coisas que com certeza não preciso mais. Suas prateleiras estão tortas, como se pudessem ceder a qualquer momento. Dezenas de livros, apostilas e revistas acumulam poeira em cada um de seus seis andares. Ela ainda não está bagunçada o suficiente. Penso em retirar todos os seus itens e jogar no chão, na cama, cadeira, talvez até mesmo pela janela. Talvez assim eu consiga colocar tudo de volta no lugar, de volta para o meu pequeno jogo particular de tetris. 

É preciso desabar para reconstruir.


Gabi Guarabyra é atriz, diretora, dramaturga e professora. É pós-graduanda em Gênero e Sexualidade pela FACED-UFJF e compartilha frentes de trabalho teatral no Coletivo Feminino e no Núcleo Prisma.


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