Na edição número 2 da Revista Casa D’Italia, falamos sobre a chegada dos imigrantes italianos até Juiz de Fora. Após a permanência na cidade, aos poucos, essas pessoas foram se estabelecendo, firmando lastros e criando oportunidades de trabalho. Apesar da nova realidade, os imigrantes não abandonaram a terra natal por completo. Suas lembranças e costumes eram constantemente rememorados no núcleo familiar, assim como nas associações de caráter étnico. Sim, nas cidades onde havia um contingente significativo de imigrantes italianos, era comum ver associações italianas, que praticavam a ajuda mútua e conservavam os hábitos e as memórias da Itália. Neste texto, vamos falar destes meios, dando destaque para um grupo específico, a Unione Italiana Benso di Cavour, que, além de sua singularidade em Minas Gerais, exaltava o nome de um dos principais personagens da unificação italiana.
O Brasil testemunhou, a partir das últimas décadas do século XIX, a presença de um número significativo de imigrantes italianos. Muitos deles deixaram o país de origem devido à escassez de emprego, as transformações causadas pela recém-unificação e pela esperança de prosperar em novos horizontes. O primeiro momento após o desembarque não foi fácil. Essas pessoas precisavam se adaptar a outro idioma, clima e tradição. Além disso, precisavam se preocupar em conseguir um emprego ou mesmo em arrecadar meios de iniciar um negócio.
Apesar das adversidades, nota-se que, por diversas vezes, o contexto de transformação vivido por esses italianos foi sendo superado através da construção de formas de sociabilidade, muitas vezes traduzidas na criação de associações. Ressaltamos que a formação de associações não era uma prática exclusiva dos italianos, mas, sem sombra de dúvidas, as deles se destacaram, nem que seja pela quantidade existente nas cidades. Para se ter uma ideia, das 16 associações com caráter étnico em Juiz de Fora, registradas entre 1876 e 1920, dez eram de procedência italiana (VISCARDI, 1995).
E quais eram as finalidades dessas associações? Normalmente, as formações desses grupos proporcionavam um espaço para a prática da filantropia, da ajuda mútua, de esportes, do ensino da língua italiana, compartilhamentos de saberes, entre outros. Algo em comum entre elas era a preocupação em preservar a memória e manter viva a cultura italiana. O associativismo entre essas pessoas criava, ainda, redes de sociabilidade tanto internamente, quanto com a própria população local (TRENTO, 1989).
Junto a esse mosaico de associações, podemos mencionar a Maçonaria. Organizada, segundo os preceitos modernos, em 1717, na Grande Loja de Londres, na Inglaterra, a Maçonaria logo se difundiu pela Europa e pelo restante do mundo. Na Península Itálica, encontramos relatos sobre a presença maçônica ainda no século XVIII. Devido à edificação de ambientes secretos, os maçons encontravam, no interior de suas lojas, um local propício para a discussão e aprendizado de novas ideias, além, é claro, de prezar pela fraternidade entre si.
Avançando para o século XIX, com a expansão do movimento migratório dos italianos, notamos a formação de novas lojas maçônicas de caráter étnico, sobretudo nos locais com maior contingente de imigrantes italianos, onde era possível ver lojas que apenas permitiam a participação de obreiros italianos. No Brasil, houve registros de casos assim em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Minas Gerais, que também se encontrava entre os estados que receberam um número significativo de imigrantes italianos, chegou a sediar um grupo desses, mais precisamente na cidade de Juiz de Fora, no princípio do século XX. A loja, cujo nome escolhido foi Unione Italiana Benso di Cavour, era, até pelo menos meados da década de 1920, a única com tais características no estado (TRENTO, 1989).
Essa loja, a Unione Italiana Benso di Cavour, foi fundada oficialmente no dia 15 de julho de 1902, momento em que tantos outros grupos étnicos eram fundados na cidade, porém com a singularidade de reunir, em um mesmo espaço, apenas maçons italianos. A concepção da loja se deu a partir de 22 homens, antes maçons pertencentes às lojas “Fidelidade Mineira” e “Caridade e Firmeza”, as duas mais antigas da cidade.
Logo nos chamou a atenção a presença do nome do conde Camillo Benso di Cavour em uma instituição maçônica na cidade de Juiz de Fora. Primeiramente, porque a utilização do nome desse personagem da Unificação Italiana não parece ter sido muito recorrente no Brasil. Por aqui, observamos com maior recorrência o nome de Giuseppe Garibaldi, outro personagem importante na Unificação Italiana, que inclusive passou pela Região Sul do país. Depois, observa-se que as lojas, recorrentemente, utilizavam nomes de maçons como patronos. E o conde de Cavour, apesar da especulação, não deixou registros concretos de ter pertencido à Maçonaria. Dessa forma, nos cabe analisar quem foi Camillo Benso di Cavour?
Camillo Benso foi um grande financista, industrial e político. Era o segundo filho do marquês Michele Benso e de Adèle de Sellon. Em sua juventude, foi oficial do exército, mas logo abandonou a carreira em busca de novos planos. Viajou pela Europa durante quatro anos, teve a oportunidade de estudar na Grã-Bretanha, na França e na Suíça. Retornou ao Piemonte-Sardenha no ano de 1830, quando se ocupou de conhecer a área da agricultura e da difusão de escolas. A partir de 1850, chegou a ocupar cargos públicos como o de ministro da Agricultura, do Comércio e da Marinha.
Desempenhou um importante papel no processo de unificação da Itália, movimento conhecido como Il Risorgimento. Seu projeto tinha como meta a unificação do país sob a liderança monárquica da família Savoia. Para colocá-lo em prática, Cavour administrou suas novas e antigas forças políticas. Soube lidar com cuidado para separar a unidade nacional e a influência popular. Sua habilidade diplomática foi distinta nesse processo. Ele conseguiu manter o consentimento das potências europeias e a fidelidade de Garibaldi, que ajudou a proclamação do Reino da Itália no dia 17 de março de 1861. Naquele momento, Camillo se tornou o primeiro-ministro da Itália. Nesse episódio, a nação italiana se estabeleceu, de modo oficial, com a capital em Florença e Vitor Emanuel II como rei. Mas o processo se concretizou por completo em 1870, quando os italianos conseguiram tomar os Estados Papais, tornando, assim, Roma a capital da Itália.
Com esse resumo biográfico, podemos perceber que Camillo Benso desempenhou um papel importante na história da Itália. Em Juiz de Fora, no momento da virada do século XIX para o XX, seu nome foi citado inúmeras vezes no jornal local O Pharol. Provavelmente a pedido dos imigrantes, o conde era enaltecido pelos seus feitos, pelo seu poder de articulação e pela concretização da unificação. Logo, seria possível que a população juiz-forana, que viu a fundação da Unione Italiana Benso di Cavour, reconhecesse a homenagem feita a esse conde.
Contudo, o tempo passou e seu nome foi caindo no esquecimento. Já por volta de 1920, quando a imigração italiana diminuiu consideravelmente seu fluxo para a cidade, não se lia mais sobre Camillo nos jornais. Em 1925, a loja maçônica acabou abandonando a obrigatoriedade da composição por italianos. Então, descendentes de italianos e pessoas de outras nacionalidades passaram a integrar a loja, que se faz de pé até os dias de hoje.
Assim, conhecendo a trajetória do conde de Cavour na Itália e lendo sobre suas representações, podemos compreender melhor o motivo da escolha do seu nome para a loja maçônica. Certamente, era distinto ter como patrono uma figura que ajudou a concretizar a Unificação Italiana. Desse modo, a loja Unione Italiana Benso di Cavour se distinguiu das demais associações italianas da época devido a seu caráter exclusivo de maçons italianos e pelo nome que carregava em seu título.
REFERÊNCIAS
BERTANTE, Rafael de Souza. Um olhar sobre a sociabilidade italiana em Juiz de Fora: italianos maçons e a “Unione Italiana Benso di Cavour”. Dissertação (Mestrado em História). UFJF, Juiz de Fora, 2017.
______. Lavoratori italiani e sua chegada em Juiz de Fora. In: Revista Casa d’Italia, N.02, Juiz de Fora, 2020.
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Organização, Preceito e Elementos da Cultura Maçônica: Fundamentos para a introdução aos estudos da Maçonaria. In: SILVA, Michel (Org.). Maçonaria no Brasil: História, política e sociabilidade. Jundiaí: Paco Editorial, 2015, p.38.
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989.
VISCARDI, Cláudia M. R. Mutualismo e Filantropia. In: Revista Lócus, Juiz de Fora, v. 1, n. 1, 1995, 108-100.
Rafael Bertante é Mestre, Licenciado e Bacharel em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Cursa, atualmente, Doutorado em Ciência da Religião pela mesma instituição, e integra o Departamento de Cultura da Casa D’Itália de Juiz de Fora.