[EXPOSIÇÃO VIRTUAL] CORTEJO SOLITÁRIO PARA UM AMOR DILACERADO

O que permanece depois da ausência? Quais os vestígios que são deixados nos vincos da pele? Qual a intensidade do amargo na língua? Onde está a doçura do mundo depois da porta fechada?

Aquela flor, aquela, que você tanto amava, não cheira mais. A cor está desbotando, junto das minhas memórias.

Apesar das memórias, agora sem cor, há uma dor que passeia cotidianamente no meu peito e retina. É a lembrança de tudo o que não é mais. A lembrança do calor do abraço. A lembrança dos sons. Ah, os sons… O tilintar das chaves, às 19h, quando você chegava. O barulho dos sapatos que não marcam mais os seus passos, nem marca junto, o compasso do meu peito à espera da sua voz.

Ainda falando em sons… Lembra do vento cantando poemas em forma de uivos durante o mês de Agosto? Sua ausência calou a voz do vento. O que era quase grito, não existe nem em sussurro.

A luz alaranjada no fim da tarde, que lambia o chão da sala: não há mais. Minha caderneta de projetos para as próximas férias: está em branco. Os vasos para as orquídeas que compraríamos: são morada de poeira. A casa parece um grande museu do que fomos. Ficaram as coisas, o cachorro, as memórias e eu. Virei o morador solitário e invisível de um museu sem visitação. Ninguém pagaria para ver a minha dor.

A noite, visitante contumaz, admiradora das dores mais profundas. Observa calmamente cada lágrima que ainda escorre da fonte inesgotável deste rio raro de água salgada que há em mim. Cruelmente, não me afaga, não me acolhe; ao contrário, faz o possível para alongar as horas antes do novo dia. São açoites brutais e certeiros daquela que parece se alimentar da dor de todos os solitários.
Vem um novo dia, me preparar para padecer.


Gabi Coêlho é fotógrafa e artista visual, com ênfase em autorretrato.


2 Comentários

  1. Ambos, lindos! Texto e trabalho.

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