MESMAS COISAS MUITAS OUTRAS

“Qual é o mesmo que me aproxima do outro?”

hoje, essa pergunta me parece um tanto ingênua, ou mesmo otimista. tende às aproximações quando há tantos afastamentos, segregações. mas, nos idos de 2015, essa questão motivou uma busca compartilhada entre mim e minha melhor amiga, a artista-pesquisadora Carolina Cerqueira.

[página do livro Mesmo Sol Outro (2018), de Carolina Cerqueira e Tálisson Melo]

naquele ano, o trabalho que ela vinha desenvolvendo em fotografia e gravura, insistindo em imiscuir seu autorretrato com retratos de tantas outras pessoas negras de África e da diáspora, foi premiado pela mostra JF Foto15. Carol me chamou para pensarmos juntos a expografia que contextualizaria a apresentação de sua série de montagens – Dessemelhança Construída, exibida no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e na Galeria Guaçuí, ambos espaços em Juiz de Fora-MG.

[montagem da exposição Dessemelhança Construída, de Carolina Cerqueira, na mostra JF Foto15, CCBM, Juiz de Fora, 2015. Foto: Tamires Orlando]

uma série de outras perguntas foram se desdobrando ao longo de nossas conversas sobre identidades e relações raciais no Brasil e além. estabelecemos o começo de um contínuo diálogo aberto entre um homem branco e uma mulher negra, ambos de uma classe média urbana, com ensino superior completo. e formulamos isso enquanto um projeto para viabilizar nossos deslocamentos a outras partes, nos aproximar de outros contextos, nos testar, jogar nossos corpos no mundo e observar os efeitos dos encontros. atravessar o atlântico até terras africanas, e encarar os (des)encontros possíveis de nosso retorno a este aqui que segue se transformando, ao passo que também nos transformávamos… a pergunta se traduziu em projeto artístico que culminaria num livro-digital-de-viagens-de-artistas, partindo de materiais visuais coletados no curso de um trânsito traçado entre Juiz de Fora, Bias Fortes e a comunidade quilombola de Colônia do Paiol (em Minas), as cidades do Rio de Janeiro e Salvador, e capital de Angola, Luanda. o título proposto sintetizava a pergunta motriz inicial: Mesmo Sol Outro.

selecionado pelo Rumos Itaú Cultural em 2016, recebemos meios materiais de dar início à execução do projeto, à jornada. incluímos outros pontos de estadia – como as cidades de Cachoeira e São Félix no Recôncavo, que nos atraiu a um mergulho por alguns dias após o corpo pesar pelas ruas da capital baiana; e Johanesburgo, na África do Sul, onde Carolina passava a residir para realizar seu mestrado em artes na Wits University. última parada, onde nos despedimos, ela ficou e eu voltei para o Rio. seguimos trabalhando na concatenação dos materiais coletados, das ideias de narração, montagem, edição, etc. e isso se deu totalmente online, nos fazendo descobrir os caminhos de conversas criativas, afetivas e frutíferas por esse meio de contato em distância.

[imagem de capa do livro Mesmo Sol Outro (2018), de Carolina Cerqueira e Tálisson Melo]

março de 2018 marcou um ponto do processo mais amplo que se tornou Mesmo Sol Outro, pois foi quando o ‘resultado’ de nosso trabalho pela primeira vez foi a público – na forma de um pdf que pode ser baixado gratuitamente.

de lá para cá, exibimos alguns experimentos de ensaio para uma versão impressa do projeto, que ainda se encontra em vias de formulação, maturando um pouco as ideias e aguardando um retorno dos encontros mais táteis com as coisas e as outras pessoas, rodas de conversa e aulas em rodas… também apresentamos o livro na Cidade do México e em Nova York, e participamos de uma maratona com editores de livros de artista no Fórum Latino-Americano de Fotografia, em São Paulo, meados de 2019, e fomos sedimentando o projeto através de conversações.

[cartaz de divulgação da exposição “à beira do tempo”, Galeria Guaçuí (2019), com curadoria de Matheus de Simone, na qual foi exposta uma versão impressa do “apêndice” de Mesmo Sol Outro (2018), de Carolina Cerqueira e Tálisson Melo]
[folha de rosto do apêndice do livro Mesmo Sol Outro, de Carolina Cerqueira e Tálisson Melo, exposto em “à beira do tempo”]

diante da pandemia, decidimos desdobrar nossas conversas sobre os temas que acabamos circunscrevendo ao longo do Mesmo Sol Outro: identidade e relações raciais no Brasil, memória-patrimônio cultural e artístico africano-brasileiro, racismo, branquitude, desigualdades e segregação. passamos então a convidar pessoas para “uma conversa sobre coisas que são muitas” – série de lives iniciada no fim de 2020 e programadas em ritmo quase-quinzenal ao longo de 2021, que podem ser assistidas, inclusive em retrospecto, através de nosso canal no Youtube, Mesmo Sol Outro redes.

até o último ‘episódio’, 14º da série – no qual recebemos as professoras-pesquisadoras Carolina Bezerra e Eliane Bettocchi para ampliar o entendimento acerca de pedagogias decoloniais –, colocamos de isca para as conversas os seguintes temas, partindo das falas de convidades que se dispuseram a contribuir com nosso processo/projeto:

1 – fotolivros? livrobjetos? livros-de-artista? ǀ c/ Ana Paula Vitório (jornalista, roteirista e pesquisadora, doutora em literatura pela PUC-Rio) e Leila de Souza Teixeira (escritora, mestre em artes pela UnB);

2 – curadoria de exposições: processo criativo, montagem fílmica, escrita da história da arte ǀ c/ Igor Simões (curador, historiador de arte e professor na UERGS) e Matheus de Simone (artista visual e curador, mestre em artes pela UFJF);

3 – contextos do livro ǀ c/ Larissa Andrioli (revisora e pesquisadora, mestre em literatura pela PUC-Rio) e Nathanael Araújo (antropólogo com doutorado pela Unicamp);

4 – movimento negro, luta, história da arte e direito ǀ c/ Lorraine Mendes (historiadora de arte, curadora, professora-pesquisadora, doutoranda na EBA/UFRJ) e Waleska Batista (advogada e pesquisadora, doutoranda na U.P. Mackenzie);

5 – sons em fluxos ǀ c/ Rosa Couto (cantora, compositora e historiadora, doutora pela UNESP) e Matheus de Oliveira (antropólogo, doutorando no Museu Nacional/UFRJ);

6 – arte, educação e questão indígena ǀ c/ Andrya Kiga (ativista trans e indígena da etnia Boe-Bororo, graduanda em pedagogia na UCDB) e Way Puri (ator, educador e pesquisador mestre em artes cênicas pela UNIRIO);

7 – linguagens artísticas contemporâneas ǀ c/ Luanda (artista visual, doutora pela EBA/UFRJ) e Paula Duarte (artista visual e jornalista, graduanda no IAD/UFJF);

8 – cinema: narrativas, representações e projeções ǀ c/ Kariny Martins (diretora, roteirista, curadora, doutoranda em cinema na UFF) e Michel Carvalho (roteirista, professor e antropólogo, doutorando no IFCS/UFRJ);

9 – coleções e curadorias em transcontinentes ǀ c/ Danilo Lovisi (historiador de arte e curador no Espace Culturel Gacha de Paris) e Nina Vincent (antropóloga do IPHAN/PB);

10 – lugares que insistem em não desaparecer ǀ c/ Analu Pita (diretora e jornalista, mestre em artes pela UFJF) e Paulo Stuart (poeta e arquiteto, mestre em arquitetura pela UFMG);

11 – contextos do corpo ǀ c/ Washington da Selva (artista visual, doutorando em artes no IAD/UFJF) e Vermelho (criatura poética, mestre em artes pela UFJF);

12 – arte contemporânea preta ǀ c/ Carolina Gracindo (artista, mestranda em estética no MAC/USP) e Karina Pereira (artista e educadora, licenciada em artes pela UFJF);

13 – performance e corporeidades ǀ c/ leo (artista, mestra pela Universidade de Artes de Berlim) e Matheusa Moreira (artista, graduanda na licenciatura em artes visuais da UFES).

a programação de conversas continua ainda neste ano e pode ser acompanhada através de nossas páginas no Instagram ( @mesmo_sol_outro ) e no Facebook (mesmosoloutro). além disso, Mesmo Sol Outro integra outros eventos no Brasil e no exterior ainda em 2021: com a primeira exibição de uma versão em vídeo no 30º encontro online da Associação Nacional de Pesquisa em Artes Plásticas (ANPAP), e como mote para uma mesa redonda na conferência do SECAC sediada na School of Art and Visual Studies da University of Kentucky, em Lexington, EUA.

mais informações sobre Mesmo Sol Outro, acesse: https://linktr.ee/mesmosoloutro


Tálisson Melo é Artista-pesquisador. Doutorando em Sociologia e Antropologia na UFRJ. Publicou o livro “Mesmo Sol Outro” com Carolina Cerqueira (2018). Atualmente trabalha em projetos curatoriais-editoriais e de pesquisa em Montevidéu, Juiz de Fora e Nova York – emaranhando artes visuais, poesia, design, arquitetura, cinema, história e ciências sociais. @talisson.melo @mesmosoloutro


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