O CANTO DA URBE

A sonoridade de uma cidade a desenha. É através dos sons de uma cidade que percebe-se quem são as pessoas que ali vivem, quais são os seus hábitos, os seus afetos e desafetos. Porém, a globalização faz com que os sons tornem-se muito semelhantes em um mesmo momento histórico e em diversas partes do mundo.

Partindo desta ideia, podemos notar que a urbe hoje veste uma espécie de uniforme, onde o fluxo da cidade parece sempre estar carregado de sons de buzinas, sirenes, máquinas, motores, fábricas e outras sonoridades comuns a diversos locais, sons estes mais relacionados com o tamanho da cidade do que com sua localização geográfica. No entanto, é possível ainda acreditar que ainda há particularidades na paisagem urbana moderna que podem desenhar uma determinada cidade. Diante disto, nos interrogamos: quais sonoridades são comuns a muitos lugares do globo? e quais podem ser específicas de uma determinada cidade?

Neste caso, analisamos a cidade de Viçosa, localizada na zona da mata, interior de Minas Gerais. Com aproximadamente 79.388 habitantes (segundo o senso do IBGE de 2020), a cidade-universitária já dá sinais de que tem mais carros do que realmente poderia comportar. Apesar do crescimento da cidade nos últimos anos, Viçosa tem em sua identidade sonora fortes manifestações interioranas, como o ressoar de sinos de igrejas, uma diversidade de cantos de pássaro, louvores em procissões católicas e outras peculiaridades sonoras. A tentativa de mapear estes sons nos leva a uma cartografia sonora e sensível a fim de encontrar as especificidades desta cidade através de seus sons e suas paisagens sonoras. Esta cartografia sonora permite adentrar no tempo-espaço que essas sonoridades ocupam, afinal os sons encontrados na cidade ali estão por algum motivo, e cabe a essa pesquisa observar como a chamada paisagem sonora (Schaefer, 1991) compõem-se na cidade de Viçosa. A cartografia aqui é também um método de pesquisa já que, segundo Costa (2014), as cartografias são também possíveis nos territórios subjetivos, afetivos e estéticos.

O caminho dessa procura perpassa pelos entres, pelos ouvidos atentos ao espaço e ao que o compõe. A cartografia a qual me proponho entende o pesquisador como parte do campo e busca o processo ao invés do resultado. É importante destacar que, nesta investigação, interessa-me cartografar não somente as sonoridades, como também o simbolismo destas juntamente com o desenho que elas trazem para a cidade. Assim, entendemos os sentidos como modo de experienciar o contexto social, político e filosófico, pois acreditamos nas sonoridades como campo de estudo e investigação. É necessário observar a paisagem sonora em suas nuances, mutações e singularidades para que se saiba em que tempo-espaço está e por isto, procurar as brechas entre as diferenças e semelhanças sonoras na urbe me parece ser um caminho para compreendê-la.

*Orientação e coautoria de Flávio Schiavoni.


Rebeca Lima Soares é mestranda em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade pela UFSJ, e pesquisa com ênfase na arte que acontece na cidade, nos encontros, desencontros e poéticas da urbe. Bacharela e licenciada em Dança pela UFV, trabalhou com arte-educação, educação em sistema prisional, performance e direitos humanos, dentre outras questões do corpo e das possibilidades desse. Fazedora das multiplicidades em arte, seu caminho perpassa pela dança, fotografia, texto, performance e audiovisual. Além disso, faz um bolo de cenoura ótimo, atua como produtora cultural e pesquisadora-curiosa do samba jazz.


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