abro os olhos para o milagre todos os dias às cinco e cinquenta assim, bem cedo, ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀ainda no escuro, admiro a resistência das pulsões mantenedoras cumprindo seu ofício de manter ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀estou aqui de olhos abertos e quase secos feito criatura morta curtindo ao sol ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀ estou aqui testemunhando o início de mais um sopro de vida ameaçado porém de pé e ainda inteira e ainda atenta ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀ouvidos fixados nas trombetas de anúncio nos choros soluçados entre os rasgos da muralha ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀sendo viva e apenas à espera as águas se forçando nos tijolos para tomar de volta o que foi seu e eu pedra ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀ fingindo a firmeza ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ das ruínas o sangue das imolas pingando dos batentes ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀e eu ainda inteira no alívio condenável dos caçulas vendo o roçar das asas nas testas dos primogênitos
Milena Moura é poeta, editora e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo), além de editora da cassandra, revista de artes e literatura voltada exclusivamente para o trabalho de mulheres. Integra também as equipes de poetas do portal Fazia Poesia e de colunistas da revista Tamarina Literária.