BICHA, PRETA E ESCRAVA

Eu fui aquela
Que o navio negreiro 
Defecou na beira do cais.
Eu sou aquela comprada 
Pelo tamanho da bunda
E o volume dos lábios. 

Eu sou aquela que,
Apaixonada pelo companheiro 
De cativeiro,
Teve que gozar gostoso
Contra a vontade 
No pau do sinhozinho
De madrugada
No meio do canavial. 
Depois teve a língua 
Cortada
Pra não vazar 
Pra geral.

Eu sou aquela,
Que amarrada  no Pelourinho,
Teve que engolir toda a porra
Do feitor. 
Eu sou a traiçoeira,
Que traia 
Pra não ir pro tronco. 
Eu sou a revoltosa,
Fugida, corrida
Do capitão do Mato.
Aquela que o sinhô pai
Gostava de mamar a piroca 
Enquanto a Casa Grande dormia. 
Eu sou a torturada. 
Na praça pública 
Fui queimada viva.

Hoje sou alma penada,
Largada
No meio do Mato.
Híbrida brisa
Elementar
Na pretitude 
Daquilo
Que não se vê

Eu sou o desmascaramento 
Da tua 
Mórbida e assassina 
Normalidade
Que terá sempre
Colada em seu peito
A carcaça podre 
Do meu corpo preto.

Márcio Rufino é poeta, ator, escritor, performer e historiador. Autor dos livros de poesia Doces Versos da Paixão (Acridoces Paixões) e Emaranhado, além de ter seus textos publicados em vários blogs, antologias, zines, revistas e jornais literários. Participou de importantes movimentos culturais do Rio de Janeiro que valoriza as artes criadas ou produzidas na periferia como Sarau Donana, Universidade das Quebradas, Slam Tagarela, Flup, entre outros.


2 Comentários

  1. Muito feliz em ver um poema de minha autoria publicado neste tão bem conceituado espaço literário. Apenas gostaria de ver o nome do fotógrafo Fabrice Monteiro citado como autor da imagem enviada para ilustrar o poema. No mais, muito obrigado pelo reconhecimento. 🤜🏾🤛🏾✊🏾🖤🏳️‍🌈

  2. Verdadeiro tapa na cara, de todos os hipócritas!! Lindo, adorei.

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