ARTE E MERCADO: VALESKA SOARES ATRAVÉS DO ESPELHO

Valeska Soares, artista visual brasileira nascida em Minas Gerais, inicia sua carreira artística em 1989, dois anos após se formar em arquitetura pela Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Além de possuir uma produção artística de destaque, Valeska também se sobressai no mundo acadêmico por ser especialista em história da arte e arquitetura pela PUC/RJ (1990) e ter realizado MFA (Masters in Fine Arts) em 1992 pelo Pratt Institute em Nova York. Posteriormente, passa a frequentar a New York University, School of Education onde se candidata a Doctor of Arts.

Sua produção artística tem como elemento central uma enorme influência arquitetônica que se deve à sua área de formação. No entanto, Valeska se destaca por sua flexibilidade ao operar diversas linguagens da arte ao longo de sua carreira, perpassando o campo das instalações, esculturas, desenhos e até mesmo videoarte. Apoiada em uma ampla gama de temas, a artista desenvolve sua poética tomando a subjetividade humana como fonte de inspiração para dar vida a obras que ao decorrer do tempo, vão se alterando, posto que a criação artística é sempre um exercício mutável, mas que em síntese, discutem em sua produção as dualidades intrínsecas à nossa existência e vida cotidiana, como dor e prazer, memória e esquecimento, presença e ausência, mas que também dialogam, em determinados momentos, com a temática do amor, do erotismo, do hermetismo e misticismo, bem como o feminino.

Outro elemento vital em sua poética é o caráter metafórico conotativo que faz alusão a narrativas literárias, como na instalação Détour (2002), possivelmente trazendo uma referência à fábula de Lewis Carroll (Alice através do espelho e o que Alice encontrou lá). Nesta instalação, o espectador é convidado a entrar por uma porta giratória em uma sala iluminada, com dois espelhos que cobrem as paredes e que por toda a extensão da sala, impressões de um portal fechado são enfileiradas e dispostas nas demais paredes, refletindo nos espelhos e levando o espectador a acompanhar essa multiplicidade de caminhos (fechados) por todo espaço e que interagem com seu próprio reflexo, trabalhando símbolos provenientes do universo onírico e que habitam no imaginário do público.

Recentemente, Valeska Soares tem produzido obras que visam a afetação dos sentidos ao discutir o corpo na contemporaneidade, trabalhando o processo de estranhamento por meio de suas obras.

 A artista e suas relações com o mercado atual

A partir do momento em que Valeska passa a atuar diretamente no campo da arte enquanto artista profissional, automaticamente fica sujeita ao funcionamento do mercado e dos atores que compõem esse jogo, esse campo social, no sentido da teoria de Bourdieu. No que diz respeito ao mercado primário (artista, obra e colecionador), atualmente, a artista está presente em mais de 30 coleções públicas ao redor do mundo, segundo o site Inclusartiz. Dentre estas, se destacam o Solomon Guggenheim Museum, em Nova York, Tate Modern, em Londres e Burger Collection, em Zurich. No Brasil, as obras da artista fazem parte dos acervos da Fundação Cultural ITAU e da Pinacoteca de São Paulo, de Inhotim – Centro de Arte Contemporânea, em Brumadinho e do MAM, no Rio de Janeiro. Valeska também participa do Projeto de Múltiplos, criado pela Pinacoteca, com o objetivo de angariar recursos para a instituição. 

A intensa relação que a artista mantém com o mercado de arte é inegável, principalmente no que diz respeito às exposições das quais Valeska veio a participar. De acordo com o site Inclusartiz, o número de exposições individuais ultrapassa a casa dos quarenta, ao passo que, no tocante às exposições coletivas, contabiliza 18 participações. Vale ressaltar o fato de que a artista já foi premiada 8 vezes, conquistas que ajudam a gravar seu nome na história da arte brasileira, como por exemplo em 1989, o recebimento do Prêmio de Aquisição da Funarte, em 1996 o John Simon Guggenheim Memorial Fellowship e mais recentemente, em 2014, o Pacific Standard Time: LA/ LA, pela The Getty Foundation.

Toda sua notoriedade enquanto artista visual é inegável, o que nos leva a pensar o valor simbólico que sua obra adquiriu ao longo dos anos, acarretando em um processo de precificação bastante lucrativo para sua participação no mercado secundário, no qual operam os marchands e os leiloeiros e consequentemente, promovem a circulação das obras e do nome Valeska Soares no mercado. A obra Tic Toc (2019), por exemplo, está avaliada em R$48.000,00 de acordo com o catálogo Pivô (2019), tendo como lance inicial o preço de R$24.000,00. 

Ademais, Valeska Soares conta com um número considerável de críticas bastante favoráveis por parte de importantes agentes da crítica de arte. Nomes como Adriano Pedrosa, Charles Merewether e Moacir dos Anjos fundamentam positivamente análises críticas sobre sua produção, o que potencializa seu nome no mercado ao conferir procedência ao seu trabalho junto aos espaços museológicos, coleções e galerias.

Em 2018, a Pinacoteca de São Paulo foi palco para a exposição Valeska Soares: Entrementes, que contou com a presença de outro agente fundamental para o jogo do campo social: a curadora Júlia Rebouças. Ela, que já foi cocuradora da 32ª Bienal de São Paulo, Incerteza Viva (2016), também já trabalhou como diretora do departamento curatorial do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, e possui longa carreira como crítica e curadora. Enquanto responsável pela curadoria desta exposição, Júlia optou por ocupar todo o quarto andar da Pinacoteca com obras referentes a 3 anos de produção de Valeska, o que não é pouco quando pensamos no atual cenário artístico e nos espaços expositivos.

Todos estes agentes (museus, galerias, críticos, curadores etc.) são essenciais para que hoje haja documentação e registro sobre a carreira de Valeska Soares, ocupando um espaço midiático considerável, ampliando as possibilidades de acesso ao seu trabalho e valorizando o campo da pesquisa, vital para promover ainda mais a sua produção e se caracterizando como medidas imprescindíveis para mantê-la no mercado. A artista conta com diversas publicações acerca de sua carreira, tanto on-line, quanto em livros físicos, como Valeska Soares (2016), escrito por Jens Hoffman e Kelly Taxter.

Conclusão

Pensar a trajetória de uma artista ímpar como Valeska Soares, assim como a de outros artistas, é sempre um exercício reflexivo que leva profissionais da mesma área a buscarem sua inserção no mercado de arte, a fim de estabelecer relações com os agentes supracitados que atuam no jogo dos campos sociais, compondo e mantendo seu funcionamento. É um exercício de substancial teórico e prático que nos leva artistas dos mais variados segmentos a almejarem uma carreira sólida, mas que, acima de tudo, seja capaz de dialogar com o público por meio de exposições, publicações e todo e qualquer outro meio de comunicação responsável por viabilizar a relação entre público e obra.


Referências 

Enciclopédia Itaú Cultural. Valeska Soares. enciclopediaitaucultural.org.br. [S.I.]. Disponível em: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10770/valeska-soares> Data de acesso: 12 dez. 2020

Escritório de Arte. Valeska Soares. escritoriodearte.com [S.I.]. Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/valeska-soares> Data de acesso: 12 dez. 2020

Instituto Inclusartiz. Valeska Soares. inclusartiz.org [S.I.]. Disponível em: <https://inclusartiz.org/inclusart-residentes/valeska-soares/> Data de acesso: 12 dez. 2020

ANJOS, Moacir dos. Invenção, Memória e Sonho. In: Arte Bra Crítica. Rio de Janeiro: Automática, 2010. p. 259-263 

Pina_. Valeska Soares: Entrementes. pinacoteca.org.br [S.I.]. Disponível em: <https://pinacoteca.org.br/programacao/valeska-soares/> Data de acesso: 12 dez. 2020

Pivô. Leilão de Parede 2019: catálogo de obras. pivo.org.br [S.I.]. Disponível em: <https://www.pivo.org.br/app/uploads/2019/11/2019-catalogo-pivo-4.pdf> Data de acesso: 12 dez. 2020


Lucas Rocha é artista visual, professor de idiomas, graduado em Artes Visuais – Licenciatura, pós-graduado em Docência em Literatura e Humanidades e pós-graduando em História da Arte: teoria e crítica. Atua na área da educação há 7 anos com uma abordagem pautada nos estudos decoloniais, culturais e literários, bem como temas transversais e uma proposta pedagógica plural. Temcomo principais linhas de pesquisa crítica e filosofia da arte (estética) e estudos decoloniais.


Um comentário

  1. Por mais textos assim, que nos apresentem figuras das terras tupiniquins que mesmo com as adversidades existentes aqui conseguiram alcançar reconhecimento internacional em seu meio. Que o Brasil reconheça e respeite mais os seus artistas.

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