Catador, costureira e cozinheira representam o Brasil em evento paralelo à COP

Assembleia Cidadã Global reúne 100 participantes do mundo todo até 2022. Eles escrevem a Declaração dos Povos para o Futuro Sustentável do Planeta Terra.

Assembleia Global Cidadã ocorre entre outubro de 2021 e março de 2022 | Foto: © ONU

Quase metade da população de Goiás depende do abastecimento do Meia Ponte, um rio que corta 39 municípios, mas que nas últimas décadas perdeu mais de 8% da vazão, 97% da mata ciliar e recebe todos os dias, em média, uma tonelada de resíduos sólidos. O catador de materiais recicláveis e servente de pedreiro Wanderson Alves Pires, 25 anos, não depende do rio apenas para conseguir água. Era de lá que ele retirava parte da alimentação da família, pescando e coletando vegetais e frutas.

Há meses, no entanto, conseguir alimento no rio tem sido difícil, ele relata. Os peixes estão sumindo, as nascentes secando, a mata desaparecendo e sendo substituída por áreas de pastagem, principalmente na região onde ele vive, a ocupação Estrela D’Alva, em Goiânia. “Antigamente, o Meia Ponte era fundo. Eu passava o tempo todo nadando lá. Hoje dá para atravessar o rio a pé”, conta Wanderson, que é neto de indígenas. “Nem neblina mais estamos vendo de manhã”.

Wanderson na ocupação Estrela D´Alva, em Goiás
Legenda: Wanderson na ocupação Estrela D´Alva, em Goiás | Foto: © Arquivo pessoal

Essa é a história que Wanderson contou nas últimas semanas, na inédita Assembleia Cidadã Global , evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) que  reúne 100 pessoas comuns, de todas as partes do mundo, para responder como a humanidade pode enfrentar a crise climática e ecológica de uma forma justa e eficaz. Wanderson foi indicado pela ONG Guardiões do Meia Ponte para integrar a Assembleia, financiada pelo governo escocês e a European Climate Foundation, apoiada por ONU e Reino Unido, e administrada por uma coalizão de mais de 100 organizações. O evento começou em outubro e segue até março do ano que vem.

Além dele, outras duas mulheres representam o Brasil neste processo: a costureira Izildete Maria de Sousa Botelho, 67, de Uberlândia (Minas Gerais) e a cozinheira Joseane Souza, 60, moradora da comunidade Alto José do Pinho, em Recife (Pernambuco). Juntos, eles compõem o grupo de oito latino-americanos que ajudaram a construir a versão preliminar da Declaração dos Povos para o Futuro Sustentável do Planeta Terra, documento entregue na semana passada para os principais líderes políticos em Glasgow, durante a COP26.

A declaração – Apesar da publicação final da declaração estar prevista para março de 2022, a versão provisória deixa claro que os cidadãos endossam as medidas de cumprimento do Acordo de Paris e também avança em questões como o reconhecimento do meio ambiente limpo e saudável como um direito humano. Além disso, adota o termo “ecocídio” para pleitear que práticas danosas ao meio ambiente sejam consideradas violações de leis internacionais.

A Assembleia buscou a diversidade da população do planeta: 60% dos convidados moram na Ásia, 17% na África, 50% são mulheres e 70% têm renda diária de até dez dólares. Usando um algoritmo de densidade populacional e distribuição geográfica da NASA, agência espacial dos Estados Unidos, a administração da Assembleia sorteou cidades que atendessem a esses critérios e acionou organizações civis locais, que indicaram moradores interessados e capazes de representar a diversidade de suas comunidades. Um novo sorteio foi feito entre os indicados para fechar o grupo de 100 pessoas. 

“Este é um processo que reconhece a necessidade de vozes reais participarem de um debate deste nível e que a diversidade é importante para tomada de decisão”, diz Amanda Suarez, uma das coordenadoras do braço recifense da ClimateScience, organização internacional que recrutou Joseane.

A cozinheira Joseane e Amanda, do ClimateScience de Pernambuco
Legenda: A cozinheira Joseane e Amanda, do ClimateScience de Pernambuco | Foto: © Arquivo pessoal

Experiências  – Em Alto José do Pinho, a realidade que Joseane precisa mudar é a de novos deslizamentos de terra causados pelas chuvas, problema que afeta diretamente sua rotina:  Recife é a 16ª cidade mais ameaçada do planeta pelas mudanças climáticas com o aumento do nível do mar. Agora, a cozinheira planeja engajar os vizinhos.

“Antes da Assembleia, para mim as mudanças climáticas eram uma coisa distante. Eu me preocupava com o calor, mas não sabia a importância que isto tinha. Agora estou entendendo que muitas coisas estão sendo afetadas, as barreiras deslizando, o mar avançando… Por isso que tudo que aprendo nas reuniões estou passando para quem está perto de mim”, conta.

O mesmo movimento está sendo feito por Izildete. Além de costureira, ela também trabalha com artesanato feito a partir de materiais recicláveis. Moradora em um condomínio de 300 famílias, ela espera agora mobilizar os vizinhos no tratamento de lixo. Izildete deve contar com a ajuda do Instituto Ipê Cultural para esta missão, organização que a indicou para participar do evento.

“Nos primeiros dias da Assembleia,  fiquei muito preocupada com a mudança climática, perdi noites de sono pensando nos jovens, nas crianças e na situação que eles podem enfrentar. Mas aos poucos fui entendendo o que posso fazer para mudar, como participar”, relata a mineira. “Agora considero que ter sido sorteada para participar foi como ganhar em uma loteria. É uma sensação muito gratificante representar a minha cidade e saber que a minha palavra chegou nesse nível de ação global, podendo ajudar a mudar as coisas”, conclui.

Izildete e a tradutora durante discussões da Assembleia Global Cidadã
Legenda: Izildete e a tradutora durante discussões da Assembleia Global Cidadã | Foto: © Arquivo pessoal

Matéria originalmente publicada em Nações Unidas Brasil em 12/11/2021 – Atualizado em 12/11/2021.


A ONU (Organização das Nações Unidas) é uma organização internacional formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais.


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