1825 dias são cinco anos

Há 1825 dias que não faço amor. A solidão se fez palpável no entremeio das horas. Casca. Passei 1825 dias a retalhar-me ininterruptamente para tentar fazer caber o futuro na vontade de nunca mais. Hoje, definitiva, repito a mim mesma: nunca mais. Pronuncio em voz alta para que o nunca mais entranhe em tudo o que está́ ao meu redor, para que ele esteja serenado em tudo.

Repito para crer-me: não estou ficando louca.

Quero a certeza de que não sou cruel e muito menos lixo à disposição de resíduos tóxicos… emocionais, sexuais, afetivos, morais, psíquicos… crer-me, pois eu não estou – como ouvi de fora – à mercê̂ do abandono. Os sons que emito dizem que o abandono nunca existiu. Começo a ensaiar um canto e a ver doçura na voz que outrora chegou no limite do grito e virou berro… no limite de si e virou silêncio. Há que se ter limites para ouvir os ruídos, para carregar os fardos que não são equivalentes à capacidade que cada um tem de lhes suportar. Convenhamos. Equivalente é uma natureza jamais compartilhada pelos fardos. Repito números e contas. Incrivelmente, foram um mil oitocentos e vinte e cinco dias. Não quis calcular horas e minutos para não fornecer mais matéria numérica a um tempo de nunca mais.

Avaliei o nada, o pouco e o qualquer coisa… notei que tenho muito costume com o pouco, porque quase sempre o que me veio foi cerca de nada, até que depois de tanto tempo de nada…qualquer coisa parecia servir-me bem. Costume se come no cotidiano.

Nunca mais é diferente… é limão maduro, perfumoso, um cheiro tão grande que não cabe em nada e nem qualquer coisa consegue esconder sequer um pouco. Nunca mais invade a casa acidificando tudo o que toca e os azulejos do banheiro mudaram de tom definitivamente. Meu broto de comigo-ninguém-pode não vingou, nem vi que era um sinal. Achei que fosse erro na rega. Mas não, coitado de um brotinho de comigo-ninguém-pode, ainda não pode com qualquer coisa.

Definitivamente,

Nunca mais.


Aline Cardoso é licenciada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba; Especialista em Língua, Linguagem e Literatura pelo Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa (Cintep); Mestra pelo programa de Pós-graduação em linguística (Proling/UFPB), é pesquisadora da área de Análise do Discurso com ênfase no discurso poético e na leitura de poesia em sala de aula, dedicou-se na graduação e no mestrado ao estudo da obra do poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto. Fundadora da Editora Independente Triluna; Professora de linguagens, códigos e tecnologias, desenvolve oficinas de escrita criativa de poesia no âmbito escolar através do método dialógico de leitura, escrita e escuta responsiva-ativas. Autora dos livros: A proporção áurea do caos (Escaleras, 2019) e Harpia (Triluna, 2020). Criadora da Chamada da Lua Negra, edital literário independente a nível nacional para a publicação de 24 livros escritos por pessoas negras de todo o Brasil.


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