Eu estive lendo as cartas que as viúvas têm de seus soldados. E as fotos em preto e branco com pequenas mensagens como a que eu levo na minha carteira. Parece tão romântico para nós. E é claro que parece. Não somos nós as viúvas, nem são os nossos nomes em monumentos de concreto erigidos em alguma praça aos bravos heróis da guerra. Onde ficarão os nossos nomes quando morrermos depois de não sermos heróis?
Enfim, eu estava lendo as cartas de amor dos tempos da guerra e pensando no quão distante parece. Parece distante agora que nós estamos na época da paz. Porque, pensando bem, o amor é paz na época da guerra, e o amor é guerra na época da paz. Mas será esta realmente uma época da paz? Eu estava pensando e acho que não.
Escrevo esta carta porque eu vi e tentei ignorar, mas não posso mais. Eu escrevo para contar tudo o que eles estão fazendo lá fora de mim. Eles estão subindo nas torres, uniformizados e mascarados. Estão mentindo uns sobre os outros para que se possam odiar mais. Estão carregando as armas e os celulares. Enchendo as praças e queimando as ruas. Eles não querem nenhuma solução. Querem guerra. Inocente, eu vinha pensando que a guerra era algo muito distante da minha geração, mas eles se odeiam tanto e amam tanto se odiar. Talvez a guerra venha.
Então, eu estava olhando as cartas das guerras que foram e olhando essa guerra que pode vir. Fez-me pensar em mandar uma carta antes da guerra. Porque as cartas durante a guerra são todas trágicas, não é o que quero para mim. Eu não quero te escrever sobre o que poderíamos fazer depois da guerra acabar se um de nós não morresse. Eu quero te escrever sobre o que podemos fazer antes da guerra.
Então esta é a carta, e ela diz: Se a guerra começar, tu esquecerias que nós já guerreamos um contra o outro, e fugirias comigo?
Eu levaria algumas pessoas que amo, pois as amo, e presumo que elas não quererão guerrear. Porém, se quiserem, que guerreiem. Nós fugimos com quem quiser fugir. Pois esta será uma guerra fútil, como já é o seu anúncio. A maior dignidade será fugir. Eu levo a minha mãe. Ela quererá guerrear, mas não deixemos. Minha família também levo. Embora seja provável que essa guerra divida a minha família. Essa guerra dividirá muitas famílias, como fazem as guerras. Talvez, antes de morrerem, os revolucionários e conservadores, os soldados e os sargentos pensem por um momento que deveriam ter amado seus filhos mais do que odiaram estranhos. Mas nós não, nós fugiremos.
Iremos para uma cidade quase não cidade, como São Gonçalo do Rio Preto, em Minas Gerais. Tu podes levar uma cadela, nós podemos chamá-la de Mel. As tropas passarão apenas à distância. Nós as veremos passar pelo sertão. Pensaremos “quão pobres almas, que lutam porque odeiam, e odeiam sem nem bem saber por quê”.
Em São Gonçalo não se contarão histórias de ódio que não sejam a do do homem traído que matou à mulher, ao amante e a si mesmo. Estão os dois enterrados sob o abacateiro. Lá não se falará de como o outro lado é ruim, pois não existem lados onde não existe guerra. E não haverá nada para alimentar o ódio porque ninguém se alimenta de muito odiar. Lá se contarão as histórias da moça mais bonita que já se viu, que um dia montou em um burro e foi para nunca voltar. Passou a ser a moça mais bonita que não se viu mais. E a história do velho que bebeu toda a garrafa de cachaça em um só gole, e logo em seguida voou tão alto que se tornou uma estrela. E ainda a é. Lá as histórias não são mentira. Não há mentira onde não há guerra. Há folclore.
Então essa é a minha carta de antes da guerra. Durante a guerra eu não escreverei mais. Muitos pediriam uma confirmação do amor perguntando. Morrerias por mim? Mas eu não tenho interesse na morte. Eis a carta para que não sejas um soldado em que te pergunto. Viverias por mim? Fugirias da guerra e deixarias todo o ódio em um lugar cinza de tanques, bombas e concretos que fica muito exótico num passado distante ou futuro próximo? Eu não tenho interesse na guerra. Foge dela comigo. Eu vou levar os meus antes que comece. Fica essa carta como convite para ir a um lugar onde a guerra não costuma chegar. E se não houver guerra, nós nunca saberemos. Lá já não haveria de qualquer modo.
Leandro Jabour está se formando em Letras e é formado em Jornalismo, considerei que esses fossem os cursos mais apropriados para um aspirante a escritor. Hoje tenho 25 anos e estou correndo atrás de minhas primeiras publicações. Meu sonho é um dia ter um público que leia e admire meu trabalho. Escrevo majoritariamente em prosa poética, a partir de frases que me vem ao observar o mundo e andar pela rua, ou que ouço de alguém na rua e pego emprestadas para desenvolver meus textos. Também tenho inúmeros contos, um romance pronto e outro em desenvolvimento.
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