Havia uma pilha de jornais e envelopes na frente da porta da casa de Jurandir. Ele já estava isolado há seis meses e não via necessidade de voltar às ruas. Achava graça quando alguém reclamava de ter que ficar recluso. Sempre fora muito caseiro, desde que se lembra por gente.
Quando começou o isolamento, jurou: nada de televisão, e tentaria ao máximo não ler notícias pela internet, também. E cumpria a promessa. Sossegado em casa, podia preparar suas receitas deliciosas, ler seus livros atrasados, passar mais tempo com seus gatos, treinar o ponto cruz que aprendeu numa videoaula. E, tudo o que precisava, podia pedir por aplicativo ou telefone que a entrega chegava relativamente rápido.
O ponto alto do dia era à tardezinha, quando passava o café. Todas as vezes que “batiam” dezesseis horas, Jurandir ia para a cozinha, arrumava seu lugar na mesa com um jogo americano, torradas, manteiga e seu café doce. E levava junto um livro. Passava um bom tempo ali, curtindo o café, as torradas e os capítulos de seus livros.
Daquela vez, resolveu pegar um dos jornais acumulados na entrada da casa. Toda a vida, Jurandir se recusou a ler o jornal fresco, logo quando chegava, e, quando lia, pegava o caderno de cultura e abandonava o resto do jornal sobre a mesa. Depois que tomou o primeiro gole de café, abriu o jornal e leu a primeira matéria.
Os risos começaram baixos. Logo ficaram mais altos e foram dando lugar a soluços e lágrimas. Então, o choro veio. Largou o jornal e debruçou-se sobre a mesa. No chão, o jornal aberto mostrava a matéria que estava lendo. Falava do lançamento de um livro com textos de pessoas relatando suas experiências logo após o término da pandemia, há nove meses.
Guile Balarin, 37 anos, formou-se em publicidade e propaganda; é empresário, escritor, fotógrafo amador, membro da Academia Pindamonhangabense de Letras. Publicou livros de poemas e participou de antologias. Tem o projeto @segunda_literatura no Instagram, onde publica, toda segunda-feira, uma fotografia e um texto, ambos de autoria própria.
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