Passeando no carrinho de bate-bate

Dia desses bateu uma nostalgia em Nilo. Passando de ônibus em frente ao lugar onde ficava o velho parque, abatido pela melancolia das distâncias e do confinamento forçado pela maldita pandemia, lembrou de quando, garotinho, sempre vinha com os avós andar na roda-gigante, comer algodão doce, pipoca, ver os pulos do golfinho.

Sentia, sem compreender muito ainda o que era, a sensação máxima de liberdade quando permitiam que andasse sozinho no carrinho de bate-bate. Ele, imponente com suas perninhas finas, fazendo um esforço descomunal para alcançar o pedal. Imitando outras crianças e adultos, lançava o seu possante particular contra todos que se punham no seu caminho. Recordou do carrinho verde sujo em que seus avós estavam. Naquele dia, que agora em detalhes jorram, várias crianças e adolescentes tinham um prazer especial em atacar aqueles dois velhinhos que não tiravam o sorriso do rosto. Agora, que não é mais o Nilzinho, o Toquinho, como também o chamavam, tenta entender tudo aquilo. As crianças e adolescentes em fúria transbordando energia. Os dois velhinhos ali, chacoalhando, tomando vários trancos de todos os lados. Queria fazer hoje a pergunta que nunca fez: “Vó, aquilo não doía?”.

Desce no ponto desejado e continua com aquilo na cabeça. A rua vazia, nota que uma árvore que sempre estivera ali na passagem, havia sido arrancada. “Vovô gostava tanto dessa árvore”, diz baixinho. Agora não tem vovô e nem a árvore. O sorriso dos velhinhos no carrinho de bate-bate, e o parque, que não existe mais, leva junto sua memória, que gostaria no fundo, ter guardado em uma caixinha com cadeado.

Para na padaria para tomar um café, mas é avisado que não pode entrar, só pra viagem. O dono vem até ele, se conhecem desde bem meninos: “Puxa, Nilzinho, desculpe, é essa coisa da pandemia”. Pega o café, agradece e, quando está se virando para seguir o caminho, pergunta: “Gordo, você se lembra do carrinho de bate-bate do parque?”. O dono da padaria solta a faixa que impedia a entrada dos clientes e se põe no meio da calçada, imitando os movimentos dos carrinhos. “kkkkkk…claro que sim. Lembra? Altas porradas e nós mal conseguíamos alcançar o pedal. Até hoje tenho uma vontade danada de brincar novamente, mas acho que a minha barriga não ía deixar!”. Nilo sorri, acena para o amigo e vai embora.

Quando está chegando na esquina, o Gordo grita: “Nilzinho, mas quer saber? Na verdade, eu não queria bater em ninguém. Minha vontade era ficar passeando com o carrinho, sentir aquela sensação de adulto, de dirigir um carro, o ás que pode fazer a curva com uma mão só. Era isso o que queria. Fica bem, amigo, se precisar de alguma coisa, liga que eu entrego”.

Nilo segue e os dois velhinhos também, sorrindo mesmo com os trancos do carrinho de bate-bate.


Alessandro José Padin Ferreira é escritor, professor universitário e jornalista. Graduado em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Católica de Santos, é mestre em

Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Após anos dedicados à atividade jornalística e acadêmica, retomou os estudos em linguagens poéticas, vem participando de antologias e prepara o seu primeiro livro com poemas.



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