Cinema e Pós-Modernidade

Como identificado por Robert Stam em “Introdução à Teoria do Cinema”, o termo “pós-modernismo” é polissêmico e escorregadio, porém, como defendido com didatismo por Zygmunt Bauman no livro “Modernidade e Holocausto”, a modernidade teria morrido junto com as pessoas da cidade de Hiroshima, ou como explicitado no título, com as pessoas de Auschwitz.

Viria então a era da pós-modernidade, onde aconteceria um desencantamento em relação à ideia de um futuro garantido, necessariamente melhor e redentor, promovido pelas leis da história. Seria aí então que grandes teorias narrativas, como Marxismo, Psicanálise e Positivismo, perderiam forças com a negação de qualquer fundamentação última, não existiria o real, apenas narrativas sobre o real, assim, para o autor Jean-François Lyotard, toda visão totalizante que tenta criar uma relação de causa e efeito com a realidade estaria em queda, o que ele chama de “fim das grandes narrativas”.

Migrando para o terreno da arte, o pós-moderno se torna um estilo estético em que a mistura de narrativas (ou estilos) é soberana, é como se as peças de um todo tivessem uma autonomia emancipada em relação ao “comum”. É possível afirmar que o cerne da comunicação pós-moderna se dá através da velocidade. A velocidade com que as coisas se apresentam a nós se manifesta no cinema com a velocidade exacerbada do corte, onde por vezes nem percebemos a espacialidade da ação, também afeta, é claro, a forma de se assistir aos filmes, com a Netflix tendo disponibilizado, um alterador de velocidade para se consumir conteúdo de forma mais acelerada, mesmo que isso potencialmente altere toda a natureza de construção de significado do filme.

Além disso, é possível fazer uma relação da morte dos “cinemas de bairro”, particularmente, assim como João Luiz Vieira – “prefiro substituir por “cinema” apenas, em contraste com os “cinemas de shopping” -, e o surgimento do que o supracitado nomeia de cinema de shopping. Você vai ao shopping para consumir, comer no fast food, e por acaso acaba indo ao cinema, você assiste ao longa sem compromisso, e talvez ao chegar em casa não se lembre mais tanto dele, para Philippe Leão, essa demanda por um filme é o que expõe uma velocidade tão exacerbada dos acontecimentos, que produz uma menor contemplação dos fatos.

Cinema de Fluxo

O próprio nome “fluxo” evoca alguns conceitos de vida social e cultural na pós-modernidade. A relação entre o conceito explicado acima e o cinema é bem visível na estética do conhecido como cinema de fluxo. Cinema de fluxo, nada mais foi do que uma transformação da linguagem cinematográfica, especialmente da noção de plano e temporalidade que tentam dar conta de uma noção de espaço e tempo que a linguagem clássica não dava. Em Millennium Mambo (Qianxi mànbo, 2001), de Hou Hsiao-Hsien, temos um exemplo claro dessa estética, já que é impossível criar uma relação de causa e efeito com as cenas, o longa é construído de forma a criar uma sensação e não um sentido. Como já citado, a estética pós-moderna se dá pela mistura de narrativas, já os filmes do cinema de fluxo são construídos justamente por fragmentos de narrativas que são equipolentes, sendo uma relação bem clara com o filme taiwanês. Outro filme é Elefante (Elephant, 2001), de Gus Van Sant, que parece despreocupado em narrar uma história de fato, mas em geral, intuir o acontecimento trágico a partir de uma percepção sensorial, de uma estranheza ligada a um acontecimento tão complexo que não pode ser explicado de uma só forma. Uma das interpretações sobre o título do filme é de que ele viria de uma parábola budista em que várias pessoas cegas seriam colocadas em frente a um elefante, foi pedido que logo após saíssem da sala, descrevessem o animal baseado no que pudessem perceber, cada uma delas descreveria uma parte diferente do elefante, e todas teriam a certeza que a parte que elas tinham tido contato era o verdadeiro elefante, mas o fato é que nenhuma delas havia tido contato com a totalidade do animal e nenhuma delas sabia, de fato, o que era um elefante.

Cinema Autoconsciente

Como aponta Stam: “Como moldura estilístico-discursiva, o pós-modernismo contribuiu para o enriquecimento da teoria do cinema e da análise fílmica ao chamar atenção para um câmbio estilístico rumo a um cinema autoconsciente como meio, caracterizado pela multiplicidade de estilos e pela reciclagem irônica.” Dentre os filmes mencionados pelo americano, está Pulp Fiction (1994) de Quentin Tarantino, talvez, esse que é o segundo longa do diretor seja ainda mais representativo. Tarantino não narra de forma linear, e apesar de sermos capazes de reorganizar a história em uma estrutura de causa e efeito (o que não é possível com o já mencionado Millenium Mambo), o filme no nível do Sujet, que nada mais é do que o ordenamento que um ente narrativo faz do fragmentos de tempo e espaço que ele escolhe para compor sua narrativa (francófonos chamariam de discours), começa e termina com sequências que dentro do tempo diegético se localiza no meio da história (ou fábula, como explica Umberto Eco sobre o Formalismo Russo) – Pulp Fiction então transcorre cronologicamente no nível da fábula, mas no nível do enredo (nome possível em português para sujet) acontece misturado.

Nesse sentido, podemos novamente mencionar a estética pós-modernista, já que apesar de sermos capazes de organizar a narrativa cronologicamente depois da primeira assistida, o foco do diretor está em te passar a sensação imediata de cada cena, onde cada cena funciona por si só.


Enrico Mancini é bacharelando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Monitor do Projeto de extensão Cineclube Movimento, também é integrante do grupo de Pesquisa CPCine: História, Estética e Narrativas em Cinema e Audiovisual. É bolsista Pibiart/Mediação Artística no Memorial Itamar Franco e Crítico de Cinema no site Leitura Fílmico

@oenricomancini



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