Passeio performativo sónico-aquático para uma pessoa

Eunice Artur, in-saio, Festival PARAGEM 2022. Foto de Maria Inês Brito

in-saio é uma peça intimista, sonora, concebida para uma pessoa de cada vez. Uma peça imersiva no mar, uma viagem num caiaque no meio do caos marítimo. Uma viagem sobre os problemas da migração, sobre as questões e o ponto de vista de quem procura o “paraíso” e chega às praias do sul da Europa.

Contraponto que faço na relação com a migração das plantas, as sementes que viajam pelo oceano e a possibilidade da sua libertação, a liberdade numa nova zona, agora como espécies alóctones, onde, muitas das vezes em ambientes sem predadores se tornam espécies, consideradas pelos países de chegada, como invasoras.

in-saio integra as mudanças climáticas, o problema ambiental e social, e os problemas e efeitos da migração humana e mais que humana, numa relação paralela onde os direitos humanos e a ideia de uma lei dos direitos vegetais (de Stefano Mancuso) se cruza. A vida secreta das plantas e as suas migrações, as suas viagens. Vamos pensar sobre a dimensão do impacto humano na natureza, mas podemos pensar e adequar este impacto como social, de humano para humano. Como nos relacionamos dentro dele, e qual o verdadeiro conceito de “migrante” e a quem atribuímos esse estatuto. Precisamos escutar e precisamos de procurar marcas sonoras inscritas ao nosso redor.

Eunice Artur, in-saio, Festival PARAGEM 2022. Foto de Maria Inês Brito

O som como construção visual

O som tem uma forma muito directa no toque, chegando mesmo a entrar de forma ruidosa dentro do nosso corpo, tem também uma entrada directa nos nossos sentidos mais ocultos e tornou-se um lugar de resistência. Criei esta composição sonora que é ouvida individualmente por quem embarca junto nesta viagem. Uma leitura sonora feita em tempo real, e na sua mistura com a composição gravada em estúdio.

A escuta aumenta o sentido de realidade e do desconhecido, distorce a realidade estimulando um mundo visual novo. Somos obrigados a fazer escolhas, a direccionar a atenção para uma variedade infinita de coisas, escutar dirige a nossa consciência para estas travessias silenciosas e distantes. Um laboratório de sentidos e cantos no plural. Esta construção sonora apresentada em in-saio, com a duração de toda a viagem, desvia o nosso olhar enquanto individuo para um corpo frágil pronto a receber o outro.

Eunice Artur, in-saio, Festival PARAGEM 2022. Foto de Bruno Gonçalves
Eunice Artur, in-saio, Festival PARAGEM 2022. Foto de Bruno Gonçalves

Direcção, criação e performance Eunice Artur | composição sonora Eunice Artur |
participantes/apontamentos escritos Filipa Cordeiro, Deep Dive Sound, Neusa Costa, Filipa Brito e Lara
Boticário Morais
| apoio na montagem Bruno Gonçalves | figurinos Eunice Artur| fotografia Maria Inês
Brito e Bruno Gonçalves
| vídeo Carolina Santos| produção Associação Boia Festival Paragem 2022.

Alguns excertos de apontamentos escritos, de uma experiência profunda por alguém que se envolveu, escutou e construiu um novo mundo, nesta viagem ao meu lado:

  • ” Neste “Algarve”, à beira-mar, enormes grupos de pessoas com coletes esperam embarcar em canoas como na fila de segurança de um aeroporto. Remam e chocam umas com as outras, ao acaso. Às vezes metem-se pela zona reservada aos banhistas e os nadadores-salvadores com rostos severos apitam-lhes e gesticulam. A geologia repousa como pó sobre uma prateleira de estante, indiferente e desafiadora. A areia não é senão o produto de milénios de erosão. A qualidade do solo sobre o qual nos deitamos anuncia o fim das grutas de Benagil, da paisagem sobre a qual apoiamos a nossa frágil e risível supremacia de contempladores.   Interrompo-me. Apanho-me de novo em falso a soltar as rédeas de um registo apocalíptico, o que me faz sentir um ardor de culpa no peito. Mas não consigo evitar pensar com melancolia na caverna sob o enorme algar, repleta de pessoas de fato de banho e apinhada de trânsito marítimo, furiosamente organizado por um sinaleiro sobre uma prancha de stand up paddle: um teatro encenado perante a gargalhada geológica da Terra. Partimos também nós numa canoa. A Eunice veste as mesmas cores que os nadadores-salvadores, mas apresenta-se um pouco mais excêntrica. É ela que rema, enquanto que eu sou levada. Como damos as costas uma à outra, nunca vemos as mesmas coisas. O som dos auscultadores abafa o mar de risos e pequenos gritos dos turistas, atirando-me para um estado de consciência exacerbada sobre as ondas. Desperta, sinto o baloiçar da canoa, fixo os esgares das pessoas nos barcos (lembrando cenas de uma pintura de Hieronymus Bosch), recordo as imagens de quem tenta chegar à costa da Europa, vagando sobre um mar de incertezas. Sinto uma vertigem de tristeza. A tua performance plantou um pouco de luz num lugar escuro. O som e o fio da tua voz permitiram manter um pouco de calma ao chamarem-me para o presente, ao mesmo tempo resgatando-me ao torpor induzido por aquela cena de turismo apocalíptico, e criando a distância necessária para pensar e sentir e sem enlouquecer.” Por: Filipa Cordeiro
  •  “Imagination can easily be triggered by visible features such as landscapes. However, this performance instinctively made me close my eyes to perceive an imaginary acoustic landscape. At first was chaotic resembling a storm before the calm, but then the sea become serene, as quiet waves come in and recede again. The hurly-burly was gone, I felt free but also … lonely. Like an abandoned boat that will never know if it will make it to the land again.”                       Por: Deep Dive Sound
  •  “Places to go before you die”(…). Atravessámos a massa de pessoas na fila, passámos em frente aos nadadores salvadores e aos instrutores/funcionários das 3 ou 4 empresas de canoas que enchem a entrada/boca da praia e sentámo-nos a custo numa clareira perto da canoa da Eunice. A canoa amarela está rodeada de bandeirolas com mensagens escritas. Toda aquela movimentação começa a afectar-nos e ficamos meio calados, sem grandes palavras para descrever o que vemos, a Filipa e a Neusa, filhas da terra, recusam-se a frequentar a praia que foi invadida pelo turismo exacerbado do picar a lista de sítios onde ir antes de morrer, eu diria do morrer dos sítios. A Filipa vai primeiro, meia hora depois chega sem palavras, era agora a minha vez. Depois da espera e da observação, do entra e sai de canoas, barcos, da polícia marítima que compactua com este tráfego impensável, a minha disposição para experienciar a viagem de canoa era de alguma curiosidade e tristeza, que se manifestou rapidamente depois de passarmos a primeira barreira de canoas em direcção à gruta, parámos um pouco e ao contemplar o mar, o vai e vem de listas amarelas, as lágrimas começaram a cair para se misturarem com o mar, das minhas mãos até à água que nos rodeava. Oiço uma voz, vinda dos auscultadores, mas não consigo concentrar-me no que diz, toda a poluição visual anula a audição, oiço somente o som das gaivotas e talvez outras aves que me distraem um pouco do barulho dos motores e do falar constante dos turistas. Continuamos a viagem até ao algar, a Eunice tenta a todo o custo não chocar com nenhuma outra canoa ou barco, ondulamos continuamente com o movimento provocado pelos motores, paramos um pouco e voltamos de novo pelo mesmo caminho, fora da orla dos banhistas (são poucos os que não passam dentro dos limites das boias). Paramos de novo, desta vez fico virada para o mar, observando barcos atulhados de turistas que tentam interagir conosco, não nos pronunciamos.        Passamos de novo pela confusão de chegadas e partidas na margem, saímos da canoa, tiramos os nossos o nosso silêncio povoa aquele pequeno espaço que ocupámos, para depois dar lugar à água que de novo cai e se mistura com a areia. A energia que circula naquele local é pesada, há uma tristeza que habita a praia e a sua gruta que contrasta com a movimentação exagerada, algo compreensível, aprece que a experiencia individual de cada corpo que vai e vem, que entra e sai daquela praia é somente a de partilhar nas redes sociais que lá esteve, sem sentir o que viu e onde foi, sem querer saber a sua história, querendo somente picar o ponto da sua lista de “places to go before they die”. Por: Lara Boticário Morais
  • “(…) Terminais especializados, com várias placas: “Visit the caves in the best Kayak with a great view” “Get on the Carlos Boat and you will have the best experience of your life” ” Visit the most beautiful caves of the world”. Barcos a motor com música rasgavam a água bem perto da babuja, os tripulantes berravam de felicidade estridente e falsa dar nas vistas e tirar selfies está na moda. Ao meu lado esquerdo filas intermináveis de pessoas sem consciência, pareciam que não tinham boca nem nariz, os olhos vidrados abocanhavam a beleza artificial, a beleza? Sim, a beleza! Estão a destruir a BELEZA e como não têm consciência não existe o peso da culpa. A água estava coberta de óleo, e quando mergulhei para refrescar a pele que o sol queimava ouvi debaixo de água ruídos ensurdecedores e um caiaque quase passou por cima da minha cabeça, a areia seca estava suja esbranquiçada, sem vida. No meio do caos sou levada por uma menina-mulher que agarra a minha mão e diz para não ter medo. Sou conduzida de olhos fechados e entro no seu caiaque. Entro num caiaque espa(e)cial, envolvido por uma bolha de (Eco)-consciência. Coloco uns fones e fico mais apaziguada. Oiço uma voz delicada, mas sinto preocupação nas palavras. Entro noutra dimensão, e sou conduzida para a profundidade. Estou de costas para a menina-mulher que rema. Não sei para onde me leva. Sinto-me novamente sozinha e de repente o pesadelo mora nos meus olhos. Passam por mim centenas de caiaques, barcos a motor. O cheiro a gasóleo é intenso. Agarro-me aos fones com força para ouvir a voz, e para que o ruído exterior seja minimizado. A menina-mulher que conduz não sabe que eu conhecia este lugar antes de tudo isto acontecer. Eu era paraíso quando vinha a esta praia. Fecho os olhos e as lágrimas escorrem. Recuso-me a ver o que está à minha volta, e assim fico até ao fim da viagem esp(a)ecial. Agarro-me somente à sua voz, eu quero esquecer o que vi. Ainda não acordei do pesadelo. Recuso-me a aceitar a nova realidade. Saio do caiaque. Fico calada. (…) “ Por: Filipa Brito
  • “Primeiro um caos um misto de horror e incredulidade pelo cenário da praia onde decorreu, a praia de Benagil, hoje famosa pelas suas grutas e pela massiva procura, outrora uma praia tranquila e onde os pescadores faziam estes passeios como complemento para os seus ganhos. Mas apesar de tudo isto e um pouco reticente entrei na canoa e deixei me levar pela perspectiva da Eunice e através da envolvência de toda a peça que criou na comunhão entre a natureza e a beleza da palavra, fechei os olhos e experienciei todo outro sentimento, e viajei. E mesmo quando abri os olhos e continuava a observar todo aquele cenário confuso de kayakes e barcos continuava num estado de tranquilidade e senti-me segura. Engraçado lembro-me de pensar por momentos que as pessoas querem tanto pertencer a um momento a algo que faça sentido para elas que nem pensam na destruição que geram à sua volta. (…)” Por: Neusa Costa

Eunice Artur (1981, PT). É artista visual, sonora e performer. Procura compreender em que medida o ‘erro’ pode criar possibilidades de inscrição e variações no desenho, enquanto campo expandido, cruzando o conceito de errância com o ritual, o sagrado e o sonho, o seu trabalho evoca a poética da natureza e a relação com ela.
É mestre em Criação Artística Contemporânea pela Universidade de Aveiro, com o projecto de investigação “Errância Nómada – O desenho como reencontro de um lugar” em 2017. Licenciada em
Artes Plásticas pela Escola Superior de Arte e Design (Esad.Cr) em 2010. Com formação em dança pelo Centro em Movimento (cem), em 2014.
A sua pesquisa envolve o desenho, a fotografia, o vídeo, a escultura, a instalação, o som e a performance. Costuma trabalha em parceria com músicos, resultando em performances, explorando a
relação e a fusão do som no desenho através do mundo da notação gráfica.
@euniceartur


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