Os enlutados de amor 

Os enlutados de amor se cruzam nas esquinas de suas dores e se cumprimentam em silêncio, carregando ossos em sacos de estopa. Não aceitam clichês, nem menores amores. Que era melhor agora que depois. Que não era para ser, quem atestou isso e reconheceu firma? Que sairão maiores depois dessa. E que vai passar. “Um samba popular”. Os enlutados de amor sabem o quanto é ser cantor impopular nas timelines.  

Sangram a dor em versos doídos e para-choques de fossas por uma semana. Um mês. Seis. Escutam: ainda está nessa? Vai passar. É carnaval. É carnaval, é carnaval. Os enlutados de amor são feridos de guerra que percorrem distâncias absurdas após perderem um de seus membros. Não gritam, não desesperam. Apenas cumprem o expediente, mesmo lhes faltando pedaços. Os enlutados de amor pedem pão na chapa e uma média com dor e para viagem, por favor. Apagam seus retratos para não continuarem existindo em pensamento. São enlatados, sofrimento em conserva. Congelados & delivery. Vivem suspensos no esgotamento de suas tentativas.  

Nas horas revisitadas sempre e todo o dia, infinitas e repetidas vezes, diariamente às seis da tarde. A Voz do Brasil. Os enlutados de amor são mais dramáticos que O Guarani. Mais previsíveis que Peri e Ceci. Os enlutados de amor querem morar em jazigos de corpos já exumados, respirar ares mofados, querem moléstias inventadas para justificar. Não acreditam em horóscopos ou cartas de tarô que lhe digam nada menos que “ele voltará”. Os enlutados de amor são peixes, luas em câncer, ascendentes em escorpião. Navegam em mares à deriva de borboletas afogadas em pavor. O corpo sucumbe ao medo de que “ele nunca voltará”.  

Os enlutados de amor não são os versos todos terminados em proparoxítonas, nem os matemáticos acordes clássicos, tampouco os encadeamentos perfeitos de Bilac. Os enlutados de amor têm um pôster do Vinícius, ouvem Fagner, fazem deferência a Waldick. “Volta, meu amor, fica comigo, não me desprezes, a noite é nossa e o meu amor pertence a ti”. Nas profecias dos loucos da Praça da Sé, às cinco da tarde, os enlutados de amor passam e não param, membros mutilados sem pedir socorro. Não dão a mão a quem lhes decifra porque têm medo que o luto se esgote.  

Os enlutados de amor aceitam os santinhos de promessas, param para ler postes com amarrações definitivas. Os enlutados de amor vestem terno e bíblia e gritam essa trilha. “Ele voltará! No terceiro dia, ele voltará!”. 


Tatiana Lazzarotto (1985) é escritora, jornalista e mestranda em Estudos Culturais na Universidade de São Paulo (USP). É autora de “Quando as árvores morrem” (Editora Claraboia, 2022), premiado pelo ProAC/Obras de Ficção. É uma das organizadoras da antologia “Cartas de uma pandemia: testemunhos de um ano de quarentena” (Claraboia, 2021). Natural de Santa Catarina, desde 2011 mora em São Paulo (SP). @tatiana.lazzarotto


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