A Jaguar y a Transfiguração da Escuridão

Hoje eu criei um pequeno colapso de um lamaçal em mim.  

Tenho entendido cada vez mais que o que tem me alimentado y me conectado com pessoas antecessoras é a escuta, não apenas as escritas. Escutar também é escrever o ontem, mas o ontem já não é mais o ontem.  

Hoje acordei com a seguinte frase na minha cabeça: “a magia travesti é viver a escuridão da noite no mais profundo da intimidade”. Eu dormi com a carta da papisa embaixo do travesseiro, a curandeira dos arcanos maiores. Na primeira vez que acessei esta carta, a Jaguar apareceu pra mim. Era noite de lua cheia. É na noite que a magia travesti acontece.  

A magia travesti é também um florescimento na pele. O corpo de uma travesti é a magia pura de xapanã. É a magia da cura. Acho que o encontro com a Jaguar aconteceu a 2 anos ocidentais atrás. O encontro da Jaguar veio depois do arcano da Morte. Foi antes do arcano da Morte que eu me matei. Foi no arcano da morte que meu corpo se decompôs y a memória transcestral retornou no meu esqueleto em outra corpa. Foi logo depois do arcano da Morte, que acessei a Papisa. “A magia travesti é viver a escuridão da noite no mais profundo da intimidade”.  

A corpa transfigurada não é um lugar já encontrado. A corpa transfigurada é um lugar de busca, não de respostas y nem apenas de perguntas. A corpa transfigurada é uma amostra de que este mundo é ficcional, uma atmosfera. Fico pensando que hoje, mundo pós início do fim, as respostas estão apagadas de nossas memórias coletivas ou foram escondidas. Ainda dói saber que minhes antecessores se permitiram ser colonizades para sobreviver aos inúmeros massacres. Se mascararam para suportar os golpes. Mas a que custo?  

quinquagésima noite:  

“a corpa não deve ser lugar de experimentações  

para continuação da criação do show de horrores colonial  

a corpa é fuga  

a corpa é sorrateira y não manipulada  

a corpa é sensação”  

Na minha família o processo de se mascarar, tornou-se algo tão fixo, que ainda continuam mascarades como se vivessem no interior cristão do Paraná na década de 1950. Nas famílias do meu bairro também. Chegaram ao ponto de se cansarem da fuga. Como estas dinâmicas ainda influenciam no esquecimento de onde vieram? Como essas dinâmicas de aprisionamentos causam assassinatos? O trauma seria ancestral?  

Minha corpa transfigurada é fruto do encruzilhamento entre antepassades de origens com pontos de partida diferentes. Minha corpa não é sagrada, minha corpa é uma viagem profana. A modernidade nunca irá conseguir controlar por completo 

corpas transfiguradas de cor. Corpas transfiguradas nunca se encaixaram neste estigma do sagrado/puro espalhado em Abya Yala (y mundo) na era colonial, que se perpetua até hoje. A morte/sonhos/vida são elementos que a modernidade nunca terá como propriedade. Durante esses anos de pandemia, fica escurecido, por mais que os esforços das ciências sejam gigantes para nossa proteção y saúde, tudo o que se deseja é manter o capital a salvo. A modernidade é movida ao dinheiro, ao progresso, progresso dela mesma. A modernidade tenta regular corpas transfiguradas, entretanto, nós fugimos da ordem. A modernidade tenta nos capturar a todo instante, seja pelo dinheiro, pela espiritualidade, pelo entretenimento, mas nunca irão transformar por completo em robô as corpas que se originam das encruzilhadas, das matas, das aldeias, dos quilombos e das favelas. Querem capturar nosso soul, nosso sopro, mas nós somos crias da serpente. Basta ouvir o batuque, o vento, o som do mar.  

trigésimo quinto dia :  

O que você faz pra criar um colapso?  

toda corpa é fortificada na encruzilhada.  

O que você faz pra criar um lugar incomum?  

toda a corpa foi germinada na encruzilhada.  

a presença do corpo na corpa  

transfigura a ideia de presença  

a corpa transfigurada é a vivência da encruzilhada 


Rafa Silva (Menine Negre), é cria da zona Leste de São Paulo, é poeta, performer e figurinista. Assina trabalhos como Menine Negre, se apropriando  e (re)acessando memórias ancestrais e dos sonhos para escrever, dançar e integra a Núclea de Pesquyza Tranzborde como bailarina e atriz. Em 2021 participou como residente no Ateliê de Futuridades Trans, projeto elaborado pelo Slam Marginália, onde gerou a poesia “Mar, reflexo y tempo”. Também participou do projeto na nã nanaScente, como bailarina residente, que resultou no vídeo dança “3 TERRYTÓRYUZ”.  


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