Academias cheias e livrarias falindo. Farmácias lotadas e teatros vazios. Não existe tempo para ler um livro, apreciar a exposição do artista local, curtir a canção do músico independente ou assistir ao espetáculo teatral na casa de cultura da cidade. No entanto, há tempo para passar horas deslizando o dedo e distribuindo corações em forma de curtidas para publicações alheias. Há tempo para se meter em encrencas e desferir xingamentos a outras pessoas em comentários pelas redes sociais.
Ferreira Gullar, um dos maiores autores brasileiros do século XX, já alertava: “a arte existe porque a vida não basta”. Desde a pré-história o homem já se utilizava de pinturas nas paredes das cavernas para se expressar. A arte, seja ela qual for, é a forma mais genuína que o artista encontrou para mostrar ao mundo as suas perspectivas, para gritar aos quatro ventos as injustiças que existem e para desvelar que há sempre um lado bom quando se procura bem.
Alguns anos atrás visitei uma exposição artística para gravar uma reportagem. Uma das artistas plásticas que me concedeu entrevista explicou, afinal, qual é a grandeza da arte. Se trata da subjetividade que é transmitida por ela. Todas as pessoas podem olhar para o mesmo quadro, mas as percepções daquela apreciação serão distintas. Uma mesma obra pode fazer as pessoas terem sensações e interpretações mais diferentes possíveis. Uma pintura que, para o outro, pode causar uma sensação de dor, para mim pode significar uma representação de alívio. E continua sendo arte. Ou melhor, isso é arte.
O escritor Rubem Alves tem uma frase que se complementa – ou quase se iguala – com outra da francesa Anaïs Nin, e elas explicam isso. A dele diz assim: “nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos. Só veem as belezas do mundo, aqueles que têm belezas dentro de si”. Já ela fala o seguinte: “não vemos as coisas como elas são: vemos as coisas como somos”. Ou seja, ambos querem dizer a mesma coisa: a gente não vê aquilo que, de fato, está olhando. É mais profundo.
Todo mundo pode ver a mesma coisa, mas nem todo mundo percebe a mesma coisa. A gente vê além dos olhos. A gente vê com a nossa bagagem, com a nossa experiência, com os nossos sentimentos e com a nossa sensibilidade. Não consigo fazer o outro observar da mesma forma que eu, justamente porque ele tem
perspectivas da realidade diferentes da minha. A gente pode perceber detalhes que quase ninguém percebe. A gente pode avistar preciosidades em situações que para os demais é apenas algo simples. A gente pode vislumbrar um objeto que para os outros não passa de mais uma quinquilharia inútil, enquanto para nós pode ser um tesouro, por sabermos toda a história e o significado dele. A gente pode achar o sonho de uma pessoa bem sem graça quando aquilo, para ela, é tão valioso.
A arte é tão magnífica que nos permite essas percepções distintas e mais do que isso, compreender que, muitas vezes, o outro não fará a mesma interpretação que a minha. A arte é maravilhosa porque permite ao artista externalizar os seus sentimentos e emoções e, ao mesmo tempo, concede para quem aprecia a obra a possibilidade de abrir a sua bagagem cultural para fazer aquela leitura do que foi produzido, seja um livro, um quadro, uma música, uma escultura, um espetáculo ou qualquer outra das mil maravilhas que se criam. A arte nos ajuda a entender que nós vemos o que somos. Quem não vê arte em tudo que é produzido, infelizmente ainda não tem a arte dentro de si.
Gustavo Tamagno Martins é jornalista e escritor gaúcho, nascido em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha. Aos 22 anos, trabalha como repórter no Jornal O Florense e já tem dois livros publicados: “O cemitério misterioso” (conto de suspense reflexivo) e “O sótão das lembranças” (crônicas). Sempre foi apaixonado por livros, câmeras fotográficas, filmadoras e microfones. Em 2021, foi escolhido como o patrono da 1ª Feira do Livro ao Ar Livre de Nova Pádua. Já atuou como fotógrafo, redator publicitário, social media e planejador de Marketing. Neste ano, participou com uma crônica na antologia poética “Árvore da Vida”. @gustavotm27
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