E o que você fez?

O especial do Roberto Carlos já passou, você já se empanturrou de rabanada gelada hoje de manhã e a ressaca de ontem já tá quase passando. Enquanto esperamos o resultado da Mega e o Show da Virada, e os posteriores retorno ao trabalho e Carnaval, pensemos.

“Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira, do dia 1º do mês e de cada ano novo é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça.”
(autor desconhecido – eu achava que era do Drummond)

A cada fim de ano, vejo as pessoas mais cansadas. Sendo assim, essa perspectiva coletiva de recomeço é interessante. Como um checkpoint num videogame: você não recupera o dano que sofreu nas fases anteriores e ainda precisa continuar procurando recursos pra evitar o game over; mas se tudo der ruim, você não vai precisar voltar do começo. (o questionamento sobre se o mundo é ou não um enorme videogame que Deus fica jogando lá do alto fica pra outro texto, mas a metáfora é funcional). O cansaço com o qual chegamos às festas dificilmente passa, e todo mundo sabe que, depois do dia 6, todas as reclamações voltam à programação normal. Mas, de alguma forma, esse ‘espírito’ coletivo traz algum alívio às dores cotidianas.

No alto dos meus 26 anos, me questiono se o cansaço se acumula ao longo da vida, em uma perspectiva de bagagem biográfica. Me questiono se é realmente possível zerá-lo em algum momento e se sentir totalmente descansada. Isso porque, a cada ano que passa, maior fica o meu cansaço ao fim dele. Venho percebendo que a relatividade do tempo é mais real do que a gente é capaz de imaginar. As 24 horas do meu dia permanecem sendo as mesmas de quando eu era criança; mas a eterna sensação de estar produzindo menos do que devia fazem com que elas se tornem minúsculas.

É claro, essa percepção de encolhimento do tempo é um sintoma cultural, acima de tudo, do capitalismo. E longe de mim dizer que tudo isso é positivo: ansiolítico nenhum é tão efetivo pra acalmar a minha ansiedade do que um longo dia, com horas dilatadas e espaço infinito para fazer nada. Mas a verdade é que, vivendo em anos encolhidos, acabamos por viver muitos e muitos anos em 365 dias – e, já que nem eu nem você temos o poder de mudar isso no curto prazo, melhor olharmos para o que pode nos fazer feliz. Nesse contexto de ultraprodução e correria, a maior recompensa são as coisas que conseguimos realizar.

‘Então é Natal. E o que você fez?’
(Simone)

Em meio às dores, às frustrações e às metas não alcançadas que existem nesse contexto de cansaço, a primeira resposta que vem à cabeça é: nada. Passamos o ano todo vendo as conquistas alheias (e, muitas das vezes, as invejando) sem nos darmos conta das nossas próprias conquistas diárias – essas que, a médio e longo prazo, dão origem a monumentos em nossas vidas. Essa quebra do tempo em anos, porém, nos permite uma janela periódica para nos lembrarmos de cada coisa, para nos orgulharmos delas e para investirmos um momento de gratidão a nós mesmos por estarmos onde estamos.

2022 foi um ano difícil pra mim, permeado por sensações de insuficiência, incapacidade, inutilidade. Em meio a isso, claro, foram muitos os momentos de felicidade e de realização; mas, na bigger picture, essas são as três sensações com as quais mais batalhei durante os últimos 360 dias. Agora que estamos chegando ao fim, porém, me orgulho. Isso porque percebo que, em 2022, realizei um dos meus maiores sonhos e, além disso, outras tantas coisas que eu jamais teria sido capaz de conceber com antecedência o suficiente para colocar em uma listinha de metas de ano novo.

A cada ano que passa, me sinto menos capaz de dizer, logo de cara, se o ano foi bom ou não. Ao revisitar 2022, reconheço o quão melhor ele foi do que o planejado. E, pro ano novo, eu desejo a capacidade de reconhecermos nossas conquistas e crescimentos com mais frequência que apenas uma vez por ano.


Carol Cadinelli é mulher de palavras (e, às vezes, de fotos). Jornalista pela UFJF, pós-graduanda em Produção Editorial pela LabPub. Gosta de comidas inusitadas, viagens grandes e pequenas, narrativas sáficas, tatuagem, exposições de arte e de São Paulo, onde divide um apartamento com Elis Regina e Erasmo Carlos. É editora na Revista Trama, repórter na Terra Nérdica e analista na Bixcoito Digital.


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