Imaginar no escuro

Quantas coisas podem existir na escuridão? 

Uma floresta fechada, suas árvores disputam espaço pela luz solar. Ao olhar para cima, galhos, folhas, copas altas e robustas cobrem boa parte do céu. A frente troncos e galhos se entrelaçam entre arbustos. As plantas pequenas e árvores novas buscam espaço entre as veteranas. Não há horizonte, apenas mata. O chão é repleto de folhas secas e  é possível perceber pequenos brotos aflitos por luz, grandes raízes e fungos. Há alguns cogumelos entre o mato e o pouco espaço para ficar de pé. Aos poucos, descobrimos os insetos e os animais que ali vivem.  

É uma bela mata, foi criada para este texto, para impulsionar o florestamento de novas matas em pensamento. Mas para que estas matas vivam, precisamos usar a fantasia. Algo que, a partir de nossos desejos, perpassa o nosso presente, passado e futuro. O imaginar nos permite criar, (re)inventar, (re)significar as coisas do mundo, a partir das referências guardadas, da nossa memória, das nossas necessidades, vontades, ideias, entre outros impulsos que fertilizam o solo da nossa imaginação criadora. Momentaneamente criamos a nossa mata, esta representa a realização, e, de certa forma, a satisfação, dos desejos, ideias, lembranças, entre outras questões do criar, do plantio, do cuidado da mata que imaginamos, que coexiste ao real, assim como os sonhos.   

A pequena descrição de floresta fechada, que inicia este texto, condiz com a minha imaginação de mata fechada. Mas cada um que a lê, imagina a sua mata a partir da descrição. Ela brota, surge e cresce com novas referências, memórias e desejos, de sujeitos em seus tempos presentes, seu momento de leitura talvez. Aqui gostaria de fazer uma pausa, na verdade uma reflexão sobre a sua imaginação de mata, me intrometo a perguntar : 

Ao fechar os olhos consegue visualizar a mata descrita? consegue projetar a imagem da mata na sua mente? 

Talvez você visualize a mata como uma espécie de filme na mente, um grande telão no escuro; Ou pareça imagens estáticas e retangulares, como uma fotografia não muito nítida ou com tamanha nitidez a ponto de ser possível dar zoom em algum ponto específico; Talvez tão minuciosa quanto um simulador de realidade ou lembre o modo como sonhamos; Quem saiba possa sentir a mata que imaginou, seu frescor, o seu cheiro e até mesmo o vento, como se estivesse lá; Talvez consiga sentir enquanto projeta a imagem da mata na mente; Ou então está lendo isso e pensando que a única coisa que visualiza é o escuro da sua pálpebra ao fechar os olhos, isto enquanto imagina a sua mata a partir da descrição, mas sem visualizar nada.  Independente de como imagina a sua mata, os estudos sobre a capacidade de visualizar ou não imagens na mente são muito recentes.  

Aphantasia é a condição de pessoas incapazes de visualizar imagens mentalmente. O termo surgiu em um estudo de 2015,  conduzido por Adam Zeman, neurologista e professor da Universidade de Exeter na Inglaterra. Acredita-se que cerca de 2,5% da população mundial tem Aphantasia, ou seja, nasceram com a “cegueira dos olhos da mente”. Para essas pessoas é impossível visualizar memórias afetivas, rostos ou imaginação na mente. Isso porque a formação de imagens voluntária é ausente ou muito reduzida, mas a involuntária, gerada nos sonhos, é preservada.  

É sabido que cada um tem uma forma única de lembrar, pensar e imaginar, mas que os modos como vivemos essas ações podem ser radicalmente diferentes, para mim, foi um choque. A primeira vez que entrei em contato com este termo e com estas diferenças foi em um vídeo corriqueiro na internet e logo perdi um bom tempo de criação de “imagens involuntárias” a noite, as únicas que consigo projetar.  

Além de procurar sobre o assunto, passei a imaginar como seria projetar imagens na mente, claro sem ver nada, com grande interesse em me aproximar das vivências do mundo de quem visualiza. Questionava como era visualizar e do mesmo modo fui questionada sobre a tal “cegueira dos olhos da mente”. Minha irmã, por exemplo, disse ser capaz de projetar imagens na mente e, com pouco mais de esforço, projetar objetos na realidade, de olhos abertos. Para mim que já pensava ser inimaginável projetar imagens na mente, na realidade então me parece(u) quase um super poder. Ouvi sobre quem podia visualizar memórias com perfeição, anotações em caderno, cenas de filmes e até folhas de livros. – “Então ao ler você não imagina a história, os lugares?” – “Eu imagino, mas não visualizo, consigo criar os lugares na mente, tenho a ideia das coisas e crio coisas, mas sem projetar a imagem delas”. Logo o contar carneirinhos pulando cerca fez mais sentido, assim como as cenas de memória em filmes, que deixaram de ser “ilustrativas” do que foi recordado. Passaram a significar a projeção fílmica, de uma projeção mental da memória recordada pela(o) personagem.  

Agora imagino como serão as projeções de imagens criadas a partir da descrição de mata do início do texto, e as ideias de mata, sem visualizar ou projetar imagens. As diferentes florestas mentais. 

Minha imaginação de floresta fechada, por exemplo, vive na escuridão. Relembre a sua mata (caso visualize) a deixe em uma noite sem lua e sem estrelas, talvez devido ao céu nublado. Uma escuridão total. Embora você tenha deixado de ver a mata, tudo ainda está lá. Falta “luz” para “enxergar”, mas as coisas não deixam de existir no escuro. Não deixamos de criar, de imaginar, pela “falta de luz”, de imagem. 


Rafaela Stein é artista brasileira residente em Marechal Floriano, Espírito Santo. Suas produções transitam em diversas linguagens artísticas como o vídeo, o desenho, a pintura e a escrita. Explorando temáticas que atravessam o cotidiano e impulsionam a produção, seja por meio de vivências, leituras, pesquisas, filmes, etc. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, atualmente a artista é integrante do projeto de extensão “escrita em artes” PROEX-UFES, dedicado a experimentar e partilhar produções, leitura e escrita na área de artes visuais.


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Um comentário

  1. Kadu (Arcano)

    Fantástico o texto!
    Entendo muito o imaginar e sonhar como a criação de uma realidade pessoal de cada um. As variações são infinitas porque dependem da vivência de cada um e portanto, únicas… isso me leva a um questionamento particular que sempre tenho: será que quando alguém fala em verde escuro, estamos falando exatamente da mesma cor ou de toda um espectro de cor que convencionamos chamar da mesma cor?

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