Os apontamentos que variavam entre os motivos pelos quais se deu um golpe militar e inconstitucional na enfraquecida república brasileira na década de 60 sempre foram objeto de incontáveis perguntas. Na historiografia sobre 1964, existem alguns paradigmas mais tradicionais, outros estruturalistas e outros individuais, na busca por explicações que saltem os muros de uma política puramente à brasileira, mas que contraste com as relações internacionais e os interesses, de tom imperialista, de outros países sobre o Brasil. Ainda, há uma contundente reflexão sobre o lugar da democracia na agenda da direita e esquerda — mormente divididas — no período em que se deu o facínora golpe civil militar na república.
Entre conspirações e desestabilizações econômicas do Brasil, foram muitos os aspectos analisados. Tal como a visita de Jânio Quadros a Cuba em 1960, o que foi usado como capital político por adversários para enquadrá-lo como socialista (apesar de raramente ter se demonstrado um político ortodoxo), ainda, a instabilidade das Reformas de base (plano trienal) propostas por Jango, que passaram por acirrada negociação por proporem, em alguma medida e mormente falando, um plano de distribuição de renda. A não negociação somada a uma aplicabilidade fragmentada alimentou o acirramento civil dada a instabilidade. Num cenário, por exemplo, que desde a década de 50 contava com a ampliação de civis na esfera política. Em teoria, o que se esperava dessa movimentação? Aqui refletimos sobre a construção da caríssima democracia e já vemos que não basta a participação de civis nessa esfera.
Apesar de muitos os fatores, jamais temos a pretensão de justificar a tomada do poder por militares, ao contrário, buscamos lançar mão das brechas suscitadas social, política e economicamente que serviram de motivo ideal para o injustificável, o abominável e a corrupta entrada dos militares na regulação de um Estado que, posteriormente, tornaria-se uma máquina de morte. Com um exército saindo de Juiz de Fora, o golpe se deu entre 31 de março de 1964 e 1 de abril de 1964, marcando uma das memórias mais atordoadoras na história da república brasileira e cravando na democracia um dos seus desafios que perduram até os dias de hoje. Uma política autoritária e arbitrária iria delinear os anos do golpe que se firmaram, entre muitos aspectos, na construção de um inimigo comum, de um Outro baseado nas convicções excludentes de um tenebroso momento em que indígenas, pobres, oposições políticas, entre outros, tiveram os seus direitos suprimidos, sendo levados no limite da sobrevivência enquanto seus algozes bebiam e se engordavam do fruto de suas explorações, sugando o tempo de cada vida torturada e abatida numa estrutura assassina.
59 anos após o golpe militar ocorrido no Brasil ainda bradamos pela culpabilização judicial dos que fizeram parte dessa atrocidade pois, além do ato em si, existe uma política de memórias sendo reduzidas e recortadas até caberem no pensamento de extrema direita para que haja um retorno, sobretudo, dos mais jovens à esse tempo munidos pela falta de historicização e cidadania. Após 59 anos bradamos que a memória do golpe nos serve para lembrarmos dos presos políticos cassados, torturados e mortos nas dependências militares que os expunha, muita das vezes, aos seus próprios filhos e filhas enquanto tentavam assassinar suas ideias marcando o corpo. Após 59 anos, registramos nossa convicção de que os responsáveis por esta tragédia foram os militares, com apoio e parceria internacional e de partidos políticos, junto a outros segmentos da sociedade civil. Após 59 anos, queremos ser a voz dos que foram, o abraço acolhedor dos que ficaram e a força que impulsiona a luta por justiça. Após 59 anos, que ecoe o discurso de Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição em 1988:
Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.
Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.
Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.
BIBLIOGRAFIA:
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Governo de João Goulart e o gospel de 1964: memória, história e historiografia. Revista Tempo, s. l., v. 28, 2009, p. 123-143.
Gyovana Machado é graduada em História/UFJF, mestranda no Programa de pós-graduação na mesma universidade, associada ao Laboratório de História Econômica e Social e pesquisa capelães e capelanias no século XVIII em Minas Gerais. Militante no coletivo EIG (Evangélicas pela Igualdade de gênero), articula sua formação enquanto seminarista no Seminário teológico Rhema Brasil e suas leituras na área de História da Igreja, Teologia Feminista, entre outros.
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