[ENTREVISTA]”La diva della poesia “, Patrizia Valduga ganha versão BR por tradutoras residentes no Brasil.

A relação Itália/Brasil hoje não é sustentada por turistas a procura de paisagens lindas e maravilhas arquitetônicas de ambos países. Nem por acordos comerciais ou por histórias heroicas da imigração iniciada no final do século XIX, afinal, quem nunca se deparou com alguém orgulhoso da história da sua família e do sobrenome? Também não entra na conta as novelas que encantaram toda a população brasileira, e fizeram que as crianças da época, hoje adultas, crescessem balbuciando algumas silabas com algum sotaque, e decorando algumas músicas. Todas esses são detalhes muito importantes, que fortaleceram de alguma forma a visão quanto a um outro país e cultura. Entretanto, existem outros retalhos que são emendados em silêncio, e nesse entremeio vão criado um laço firme entre os dois países, assim como diz a professora Maria Celeste Tommasello Ramos, no Dossiê Itália Brasil, da Revista Olhos D’agua vol 10. n.2 ISSN: 2177-3807

“As relações entre Itália e Brasil existem há séculos, e, a cada dia se estreitam mais, principalmente no campo dos Estudos Literários pois diversos pesquisadores, distribuídos pelos estados brasileiros e por outros países se interessam por tecer comparações, traduzir textos brasileiros para leitores italianos e textos italianos para leitores brasileiros, lançar seus olhares críticos sobre obras literárias, tanto da Literatura brasileira como da italiana, e falar sobre as visões representadas nos textos literários e sobre possíveis diálogos existentes, seja na tessitura, seja na recepção deles.”

 

Comprovando nossa pequena tese, conversamos com a Professora Elena Santi e Agnes Ghisi, as duas recentemente lançaram uma plaquette de Patrizia Valduga, “La diva della poesia ”, que desenha em suas poesias figuras eróticas, toscas. Beirando até a obscenidade. 

Segue a conversa que tivemos com as tradutoras sobre métodos, tradução literária, adaptação linguística e outras coisas. 

REVISTA TRAMA: Olá Elena! Olá Agnes. É um prazer muito grande para nós trazer esse trabalho recém lançado por vocês. A nossa primeira pergunta é: Nesse tempo de trabalho, quais foram os principais desafios ao traduzir poesia de um idioma para outro? 

TRADUTORAS: No caso da Valduga e dessa seleção de poemas que nós fizemos, com certeza o maior desafio foi conseguir manter o rígido esquema de métrica e rimas com que a poeta trabalha. Valduga traz formas da tradição, geralmente ligadas a um tipo de linguagem elevada. Aliado a essa forma, a poeta traz termos vulgares, obscenos e impudicos, criando uma tensão entre esses elementos. Por isso, nos pareceu essencial manter esse embate entre língua e forma, o que se revelou um desafio. A escolha de algumas palavras que representassem o mesmo jogo no português foi mais fácil do que a possibilidade de conseguir manter a forma, isto é, o ritmo, as rimas. 

RT: Com um texto de partida tão peculiar quanto o da Patrizia Valduga, vocês consideram que foi possível capturar todas as nuances e sutilezas da poesia original na tradução? Como é para vocês lidarem com o tom da escrita pessoal e o tom da própria autora ao traduzir os textos? 

TRADUTORAS: É difícil dizer que uma tradução capture todas as nuances e sutilezas de um texto de partida, pois, ao traduzir, sempre precisamos lidar com escolhas, ganhos e perdas. Contudo, sem dúvida, ficamos satisfeitas com o trabalho que conseguimos fazer em manter a forma e reproduzir alguns jogos sonoros e rítmicos. Como tudo na poesia da Valduga é artifício, não é que se trate de uma escrita pessoal e de tom íntimo, aliás, a falsidade dessa intimidade e tom pessoal se mostra na artificialidade provocada pelo jogo linguístico – aquele embate de que estávamos falando, entre a forma e língua. “Sabe seduzir a carne a palavra” é um verso fundamental, e por isso dá título à coletânea. Ele nos diz o que essa plaquette buscou trazer da poesia valduguiana: a palavra dita as regras, é sedutora e subjuga a carne. Esses poemas não pretendem descrever mimeticamente possíveis diálogos amorosos. São poemas que revelam a exigência da palavra para a Valduga, a sensualidade da língua e da métrica, dos jogos sonoros, dos embates entre conteúdo e forma.  

RT: Vocês acreditam que a tradução de poesia italiana para o português exige conhecimento prévio da cultura italiana? Por quê? 

TRADUTORAS: São questões complicadas e cheias de nuances que envolvem reflexões sobre o que entendemos com o termo cultura, que tipo de tradução está sendo realizada, a perspectiva do trabalho que se quer propor. Sem dúvida, o gesto tradutório é extremamente plural e não envolve apenas questões estritamente linguísticas, mas exige um grande conhecimento dos sistemas linguísticos, literários e culturais de chegada e partida. No nosso caso, com certeza foi essencial saber quais diálogos intertextuais Valduga está sugerindo nos poemas e qual o tom de certas palavras, se é algo mais elevado ou mais de baixo calão. São questões que permeiam a escrita da poeta do Vêneto e que, nos parece, não poderiam ser ignoradas para o tipo de tradução que estávamos buscando. Quer dizer, uma tradução que se permite liberdades para reproduzir alguns jogos no português, mas que também respeita o trabalho da poeta e tenta manter algum nível de correlação mais íntima entre os textos. 

RT: Apesar de a Itália e do Brasil serem países amigavelmente próximos, como é para vocês atuarem como um elo cultural da poesia feita, e que será entregue em dois lugares tão desiguais econômica e socialmente? 

TRADUTORAS: Uma primeira consideração, talvez, seja de carácter mais geral, pensando que a literatura é, desde sempre, um terreno fértil para contatos, encontros e diálogos. Por meio da tradução, as obras podem circular e se inserir no contexto de chegada criando novas conexões e novas possibilidades de leituras. Outra, mais específica, diz respeito às diferenças econômicas e sociais que foram destacadas na pergunta. A proposta da Edições Jabuticaba é de publicar obras que tenham um custo acessível para a grande maioria do público leitor. Além disso, acreditamos que as diferenças são algo que potencializa as leituras e as reverberações de uma obra, sem representar um limite. De todo modo, poder participar desse ponto de encontro é muito satisfatório para nós. 

RT: Quais são as estratégias de vocês para lidar com as nuances da adaptação cultural ao traduzir do italiano para outros idiomas? Principalmente o português 

TRADUTORAS: É difícil para nós falar em adaptação cultural, já que o termo poderia envolver um leque de significados muito amplo e, em parte, controverso. De toda forma, o que animou nosso trabalho de organização e tradução do italiano para o português, no caso dos poemas da Valduga, foi de procurar caminhos para que a obra encontrasse um possível público leitor brasileiro, tentando, contudo, não apagar as marcas do contexto linguístico e cultural em que a obra foi produzida. Nos textos de apoio ao livro tentamos falar um pouco dessas questões também, e a escolha do posfácio assinado pela poeta também vai nesse sentido, de dar outras informações para quem lê. 

RT: Houve algum processo específico para a tradução destes textos? Algum método seguido? Qual foi? 

TRADUTORAS: O primeiríssimo passo, durante a organização, foi entender qual era a seleção que queríamos trazer para o Brasil, qual percurso pela poética valduguiana queríamos propor. Então, uma vez escolhido como fio condutor o tema erótico e se tratando do erotismo da palavra e da forma, procuramos entender quais elementos formais, métricos, sonoros e retóricos entravam em jogo. Essa era a nossa prioridade, visto que a poesia da Valduga coloca no centro o trabalho formal. A partir disso, buscamos fazer uma tradução que mantivesse também as rimas internas e as assonâncias, o que exigiu muitas leituras em voz alta e verificação do efeito nas duas línguas. Em alguns casos, se não conseguíamos manter uma frase coerente em português dentro desses padrões, buscamos adaptar e nos dar um pouco mais de liberdade em alguns aspectos. O texto passou por muitas leituras, tempo de descanso, revisão de pessoas da área e novas leituras, além de comentários do pessoal da editora e conversas com eles. 

RT: Quais dicas você teria para alguém que está aprendendo italiano e deseja se tornar um tradutor? 

TRADUTORAS: A tradução é um trabalho muito bonito, ainda que árduo. Precisa de contato íntimo e, por isso, exige um pouco de tempo, paciência e atenção às nuances e novas leituras que se fazem de um mesmo texto. Quem está começando pode buscar coletâneas bilíngues para ter contato com o trabalho de diferentes pessoas da área da tradução, ler os comentários de quem traduziu ou de quem fala sobre a tradução. Pode também se arriscar traduzindo o que gosta e acha interessante, visando essa aproximação mais íntima dos textos. Essencial em ambos os casos é tentar elaborar uma visão crítica, que inclua compreensão das técnicas e ferramentas da tradução, bem como as escolhas de cada tradutor(a). Essa construção pode encontrar grande ponto de apoio em textos da área, o que pode levar à familiaridade do pensamento crítico de grandes nomes da tradução literária no Brasil. 

RT: Quais são as suas considerações finais sobre a tradução de poesia italiana para o português? 

TRADUTORAS: Apesar da grande tradição da literatura italiana e a sua presença no nosso país e na nossa literatura, quando se trata de produções mais contemporâneas, há ainda muitas lacunas que podem ser preenchidas com o tempo. No caso da poesia isso é ainda mais evidente. Contudo, assistimos a um interesse progressivamente maior pela literatura italiana e o trabalho de muitos tradutores e tradutoras no Brasil é incansável, ampliando, cada vez mais, a proposta de títulos. Ainda, é importante salientar o interesse das editoras que estão publicando muitas dessas traduções, acolhendo projetos tradutórios não apenas dos clássicos consagrados, mas também de obras contemporâneas ou que ficaram à margem do cânone durante muito tempo. Resumindo, há muitos caminhos ainda inexplorados, mas há também muita coisa interessante acontecendo, muitos trabalhos sendo publicados, muitas possibilidades ainda abertas para quem se interessa por essa área. Quer dizer, nos parece que há um interesse por essa literatura e que esse campo tem muito a oferecer ainda. 

RT: Por último, além da poesia da Patrizia e o incessante trabalho de vocês, quem mais foi essencial para que se concluísse esse trabalho?

TRADUTORAS: Com certeza a Jabuticaba que foi uma super parceira, no site deles, a gente encontra a seguinte descrição: “Literatura para quem gosta de ler”, podemos garantir que a descrição não fica só no site, a Edições Jabuticaba é uma pequena editora voltada para a boa literatura, floresce interessada em divulgar novos autores e a traduzir poetas e prosadores clássicos e contemporâneos que gostaríamos de ver em circulação no Brasil.

Confira a baixo um poema traduzido pelas nossas entrevistadas:

Terra alla terra, vieni su di me:

voglio il tuo vomere nella mia terra,

fiorire ancora traboccando e

offrire il fiore a te, mio cielo in terra.

Terra para a terra, vem sobre mim: 

quero o teu arado na minha terra, 

florescer mais e transbordando enfim 

oferecer-te a flor, meu céu na terra. 

Envie sua proposta para nossas chamadas para publicação e para exposições!

Clique na imagem para mais informações.

Elena Santi é pesquisadora, tradutora e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em 2022 publicou, com Cláudia Tavares Alves, pelas Edições Jabuticaba, a tradução de “Virá a morte e terá os teus olhos” de Cesare Pavese e, em 2017, lançou, com Patricia Peterle, o volume “Vozes: cinco décadas de poesia italiana(Editora Comunità). É doutora em literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina e suas pesquisas se concentram na área de literatura italiana, poesia contemporânea e literatura comparada.

Agnes Ghisi é mestranda em literatura, tradutora, professora de italiano, co-criadora e mediadora do clube de leituras Letturine (@letturineclube). Traduziu microcontos de Cesare Pavese publicados em “Trabalhar é um prazer e outros microcontos” (7Letras, 2022).

Patrizia Valduga (Castelfranco Veneto, 20 de maio de 1953) é poeta e tradutora literária. Atualmente vive em Milão. Traduziu, entre outros, John Donne, Stéphane Mallarmé, Paul Valéry, Molière, William Shakespeare, e Ezra Pound. A sua estreia literária se deu com a obra Medicamenta (1982), republicada sucessivamente com o título Medicamenta e altri medicamenta (1989). A sua poesia se caracteriza por um forte embate entre formas métricas da tradição e um conteúdo obsceno e cru. Entre suas obras poéticas lembramos Cento quartine e altre storie d’amore (1997), Requiem (2002), Lezioni d’amore (2004), Il libro delle laudi (2012), Poesie erotiche (2018), Belluno. Andantino e grande fuga (2019). Em 1988 fundou e dirigiu, durante um ano, o periódico Poesia


Clique na imagem para mais informações!

Esse espaço maroto de apoio e fomento à cultura pode mostrar também a sua marca!

Agora você pode divulgar seus produtos, marca e eventos na Trama em todas as publicações!

No plano de parceira Tramando, você escolhe entre 01 e 04 edições para ficar em destaque na nossa plataforma, ou seja, todas as publicações contidas nas edições selecionadas vão trazer a sua marca em destaque nesse espaço aqui, logo após cada texto e exposição . Os valores variam de R$40,00 a R$100,00.

Para comprar o seu espaço aqui na Trama é só entrar em contato através do whatsapp: (32) 98452-3839, ou via direct na nossa página do Instagram.

Clique na imagem para mais informações!
Clique na imagem para mais informações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *