Esse texto foi escrito por uma mãe que admira seu filho e procura enriquecer o próprio olhar sobre a vida, aprendendo com ele todos os dias… ou quase isso.
Cheguei para buscar meu filho de 2 anos na escola e na porta da sala do maternal, uma exposição de gravuras feitas com matrizes de isopor. De imediato, uma delas me chamou a atenção e não posso dizer que me surpreendi quando me aproximei e vi que aquela tinha sido feita por ele.
Não estou fazendo juízo de valor, e de maneira alguma quero dizer que considero a dele melhor que a das outras crianças, assim como não acredito que ao entrarmos em uma galeria ou em um museu e nos afeiçoarmos de imediato por um dos trabalhos, estamos desqualificando os demais. Mas muito provavelmente, de maneira quase inconsciente, identifiquei seus traços assim como uma mãe costuma reconhecer a caligrafia do filho. E para ser sincera, não prestei a devida atenção nas outras.
Seja como for, na gravura dele enxerguei uma composição equilibrada e que demonstra uma boa compressão do espaço no plano bidimensional. Eu a fotografei e ao chegar em casa, comecei a observá-la com mais atenção, me perguntando se essa primeira impressão fazia sentido ou se eu era apenas mais uma mãe que acredita ter parido o Jackson Pollock da nova geração ao ver o filho tirando meleca e passando no papel enquanto joga tinta para todos os lados. Num primeiro momento, constatei que as linhas principais estavam próximas às linhas dos terços, aquelas que marcam as regiões que nós, ocidentalizados, costumamos olhar com mais atenção, e elas cercavam a zona de maior conflito que estava ao centro, uma porção das composições bidimensionais que tende a provocar pouco interesse no observador. No entanto, uma linha descia pelo lado esquerdo do papel, fazendo uma curva ascendente no canto inferior, guiando nosso olhar justamente para essa área. Toda essa dinâmica é cativante, nos põe a olhar e re-olhar, descobrindo novas marcas e manchas.
Lembrei-me então que para Eisenstein, um dos mais importantes cineastas e filmólogos soviéticos, El Greco, foi o primeiro cineasta. Ele que foi um pintor e escultor grego, nascido no século XIV, era capaz de capturar o que podemos chamar de momento gravídico, ou seja, aquele instante de uma cena que é capaz de nos contar toda a narrativa retratada. E, isso acontece através do percurso que nosso olhar faz, guiado pelos elementos de uma composição. Também me lembrei de Fayga Ostrower que em seu livro, Universos da arte, explica de maneira excepcional como lemos imagens, mesmo que não tenhamos pela consciência desse fato. É curioso como dentro das visualidades o inconsciente vem à tona, seja na produção de imagens ou em sua interpretação. Ostrower diz que nenhuma escolha do artista durante o processo de criação é leviana, ela está sempre atrelada a questões subjetivas, mesmo que ele demore a se dar conta desse fato e até mesmo, caso nunca venha a perceber. Penso que em muitos casos, possamos associar esse movimento, ao processo de sublimação proposto por Freud, que, se bem entendo, podemos dizer que é uma maneira de processar nossos sentimentos mais profundos. Por essa razão, digo que apesar de até aqui ter sido motivada a escrever por essa gravura que meu filho produziu, ela não é nem de longe a imagem que ele criou que mais me impressionou.
Há alguns meses, na parede da casa da minha mãe me deparei com o que muitos poderiam ver como um rabisco de uma criança serelepe que se aproveitou da caneta esquecida por um adulto em cima da mesa, mas para mim, foi uma enorme lição. Na tarde daquele mesmo dia, ele havia me visto ajudando minha mãe que enfrentava um grave problema de saúde, durante o banho. E na parede, seus traços dinâmicos criaram a silhueta observada por ele, de uma mulher que em seus últimos dias, apesar do volume de seu corpo repleto de edemas, estava por um fio, a ponto de se partir ao meio, sustentada talvez pela coluna vertebral que sustenta a grande maioria de nós: a vontade de viver por amor àqueles que caminham ao nosso lado. Sem saber como conversar com ele, tão pequeno, sobre a fragilidade do ser e a finitude da vida, me apropriei de seu desenho para criar uma ilustração, na esperança de que um dia, eu me lembre de agradecer por ele ter me educado, através de seu olhar.
Como dito por Picasso, é preciso uma vida inteira de dedicação e estudo, para aprendermos a desenhar como uma criança.
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Ada Medeiros é artista visual, graduada no Bacharelado em Artes e Design. Sua pesquisa contempla experimentações mais frequentes em pintura à óleo e aquarelas, desenho e fotografia, porém, por vezes, transita pela escrita e o audiovisual. Investiga a existência através das visualidades, numa busca obsessiva por atentar-se para a finitude da vida e a fragilidade do ser.
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