Inventário de dentes

De repente, parei de escutá-lo para lhe observar os dentes. Não bastasse a matéria-prima de origem desconhecida meio aparentada com as conchas, eles somam 32. Trinta e dois dentes exatos fincados em cada organismo humano.  

Acolher esses búzios de cálcio é parte do nosso destino. Assim como ser guardião da combinação de dados que nos faz à imagem e semelhança dos ancestrais. No inventário do tempo, herdamos ainda uma sequência de unhas, cílios, veias, pelos, dedos, tecidos anexados a uma massa vertical altamente perecível.   

E, na gênese dos dentes, parece haver sedimentos milenares de tempos sem registro no calendário. Até que nos tornássemos um corpo cheio de tecnologias depositado em alguma coordenada geográfica, qual terá sido a movimentação secreta do planeta?  

Remessas e remessas de gente em pleno funcionamento vital. Que energia clandestina mantém vivos quilos e quilos de rins, fígados, corações, pulmões, globos oculares? Fora os dentes.  

As sucessões familiares, muito mais que pingentes cravejados de brilhantes pendurados de pescoço em pescoço, se dão mesmo é pelos dentes. Impressionante como Celina tem o sorriso da vovó Antonela.  

Não podia ficar de fora desta história o Xodó, cuja vista panorâmica são as canelas dos Oliveira durante o almoço ou os rodapés do 201 no Leme. Pois não é que o Xodó usa os dentes como artilharia? Experimente lhe recusar o pedaço de suflê da dona Isabel para ver! 

Bom, se só escutamos as músicas da nossa própria caixa torácica com um estetoscópio, seria muita petulância querer saber, sem algum aparato ultratecnológico, o local exato, nesse mundo de meu Deus, da gênese dos dentes de toda a humanidade..  

Em um quadro do Salvador Dalí talvez se torne compreensível a manifestação originária dos dentes. Ou, quem sabe, um arqueólogo nos ensinasse a cavar, cavar e cavar até encontrar as primeiras arcadas de que se tem conhecimento.  

Enquanto isso, no ambiente de totura que são os consultórios dentários, com o pré-molar condenado, só resta submetê-lo a uma reforma de igreja, para não violar o que existe de sagrado na sequência de 32 dentes.   


Carolina Fellet é autora finalista do “Prêmio Off Flip de Literatura 2022” na categoria “conto”. Trabalha como redatora e revisora de textos e ministra oficinas de escrita criativa em espaços e eventos culturais, escolas, empresas etc. É formada em jornalismo e pós-graduada em TV, Cinema e Mídias Digitais. Já escreveu orelhas e prefácios de livros, além de roteiros para apresentações teatrais. Participou de diversos concursos literários, tendo textos publicados em várias antologias. 

@carolinafellet 


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