A dor crônica

A aula de pilates hoje não foi fácil. A dor impedia tantos movimentos que a professora quase me mandou para casa. A dor do quadril virou crônica. Quem diria, uma virada de pé naquela feira de livro trouxesse um incômodo até o quadril. A dor instalou-se aqui definitivamente, e quando decidi, por duas noites seguidas, sambar de salto alto ignorando um pé torcido e retorcido, a dor transformou-se em uma espécie de inquilino, que não sai nem por ordem de despejo.  

Passada a aula de pilates, depois da dolorosa caminhada — por que ir de carro se você pode ajudar o meio ambiente e não se ajudar? — Chego em casa e encontro uma caixa no chão. O carteiro não colaborou, ou tentou, mas a caixa de correio era pequena, então ele deixou o embrulho no chão mesmo.  

Pelo formato não tive dúvidas: um livro. Só não sabia qual. A curiosidade foi maior que a pontada do quadril e me abaixei para pegar o presente do dia — porque livro sempre é um presente, mesmo que eu pague. 

Sentada no sofá para aliviar a dor, comecei a desembrulhar a esperada coletânea da qual participei. Destinada apenas às escritoras mulheres, a antologia trazia contos sobre personagens femininas ocupando seus espaços, sendo protagonistas no trabalho, na casa e na sociedade. Receber um livro desses e não apresentar ao mundo seria um pecado. Decidi mostrar, fiz fotos, preparei post para o Instagram e depois pensei: “Que necessidade de afirmar e reafirmar nosso lugar, nossa voz!”. É irônico precisar fazer isso por meio de uma antologia e também com a minha vida. Falar sobre protagonismo da mulher é como cantar um refrão musical, você precisa repetir várias vezes até o ouvinte decorar e cantar junto. É a dor crônica não apenas de ser mulher, mas de ser mulher escritora no Brasil. Precisamos mostrar nosso trabalho para provarmos mais uma vez que somos tão capazes — e muitas vezes até melhor — que qualquer homem, sem julgamentos, mas agora defendo nosso lado, ainda que ele não precise de defesa alguma.  

A repetição desse argumento de que mulher escreve bem já se tornou crônico. Um novo livro escrito por mulher precisa ser exposto, precisa ser notado, um novo conto precisa ser mostrado, alguém precisa referendar nossa escrita, algum prêmio precisa dizer que somos capazes de escrever histórias comoventes, algum editor precisa reparar que somos engajadas, alguém conhecido precisa simplesmente dizer que escrevo bem pra caramba.  Se perguntassem, gostaria de mostrar apenas algumas coisas da minha vida, alguns textos, outros deixaria como surpresa para os leitores, mas a dor literária está sempre ali, pungente, incomodando, exigindo atenção e por isso vocês terão que ler textos como esse.  

Essa dor de se expor se tornou crônica e para ela ainda não encontrei remédio, espero que para o quadril a fisioterapia resolva.  

 


Marina Hadlich, aos 31 anos de idade, trocou a carreira jurídica pela vida de escritora. Nascida em Blumenau/SC, atualmente mora em Florianópolis/SC, onde segue lendo e escrevendo à beira-mar. Pode ser encontrada por aí contando história para crianças ou escrevendo num café. Marina ama propagar a literatura por meio de bibliotecas comunitárias, campanhas de arrecadação de livros, palestras sobre literatura infantil, clubes de leitura, de escrita e contação de histórias. É autora do livro de contos “100 Mulheres” (2019), do livro infantil “O menino que se escondia” (2021), participou de diversas antologias, ganhou prêmios e concursos literários.

marinahadlich 


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