A jornada acadêmica às vezes nos parece acidental. Tomar a decisão de seguir ou não tal carreira, na maior parte das vezes, ultrapassa a racionalidade. Sempre nos dizem para seguirmos nossos sonhos incansavelmente, e talvez seja exatamente essa disposição por segui-los que leva o jovem pesquisador a agarrar a carreira científica. Deixando de lado toda e qualquer problemática em torno das dificuldades que o espera, o acadêmico escolhe seu interesse de pesquisa, muitas vezes sem refletir sobre o que o levou a tomar tal decisão. Neste ensaio, me desafio a pensar o que me inspirou, com o objetivo de construir uma “História” do meu projeto de pesquisa e, consequentemente, apresentá-lo ao leitor.
Como historiadora, sou tentada a buscar indícios do que sou na infância e talvez a única memória que denuncia meu presente seja a fixação por insetos, o sonho – nunca realizado – de ganhar um microscópio no natal e uma fissuração por observar os elementos da natureza mais profundamente. Mas qual seria a relação entre a biologia e o trabalho do historiador? Sendo bastante sucinta, eu responderia que a simples curiosidade é uma relação, essa necessidade de compreender o que faz aquilo ser o que é, sem dúvidas é o que motiva o historiador. Nossas perguntas ao passado nascem de um resultado já conhecido, assim como a curiosidade em ver de perto a asa de uma borboleta nasce do deslumbre que é enxergá-la a olho nu. Tal qual o biólogo, o historiador sabe que só é possível compreender o todo ao observar as células. No entanto, apesar dessa causa científica, não nasci numa família de leitores, mas sempre tive uma natureza questionadora, que meus pais insistiram por chamar de “rebeldia”. E o que seria da História se não houvesse os “porquês” motivados pela rebeldia daqueles que questionam o passado e a ordem tida como natural da sociedade?
Ainda adolescente, li por recomendação de uma professora o livro Desmundoda romancista Ana Miranda. O romance, inspirado em fatos históricos, conta o drama vivenciado por Oribela, uma jovem que é trazida de Portugal em um grupo de meninas órfãs no século XVI para se casarem com portugueses que aqui moravam, a fim de evitar a prática de concubinato entre homens brancos e mulheres indígenas no chamado “Novo Mundo”. Acredito que tenha sido ali, que comecei a olhar para a mulher colonial e a violência embutida na condição feminina do período. Certamente, cursar uma graduação em história me fez complexificar as vivências dessas mulheres e passar a enxergá-las para além da violência, as compreendendo como agentes de uma sociedade extremamente masculinizada.
Ainda numa jornada literária, certa vez li o romance, publicado pela primeira vez em 1859, Úrsula de Maria Firmina dos Reis, a considerada primeira romancista negra do Brasil. No triângulo amoroso, protagonizado por uma mulher negra, a escritora maranhense retrata o universo da escravidão. Acredito que os dois livros tenham se tornado meus romances favoritos e que o protagonismo e genialidade dessas mulheres escritoras me inspirou e, certamente, me influenciou a tomar o rumo que tomei. Já na graduação, no primeiro período, fui convidada por um professor a ler um livro da historiadora Júnia Ferreira Furtado. Foi lendo Chica da Silva e o contratador de diamantantes: o outro lado do mito que me deparei pela primeira vez com a mulher colonial a partir da ótica de uma historiadora. É certo que não compreendi o livro em sua totalidade naquele momento, o ofício do historiador ainda não era tão claro para mim.
Foi naquela matéria introdutória do curso de graduação, que me deparei pela primeira vez com a mulher enquanto objeto de pesquisa histórica. Entre idas e vindas, entre livros, textos, consultas a acervos e conselhos de professores e orientadores de iniciação científica tomei a decisão de que assim como Ana Miranda, Maria Firmina dos Reis e Júnia Ferreira Furtado faria da mulher protagonista de minha obra. Nesse contexto, passei a estudar as práticas de inserção social da mulher forra em Mariana (mais especificamente na freguesia de São Caetano) no século XVIII. O objetivo da pesquisa é compreender quais eram as lógicas que regiam essas mulheres donas de seus negócios, que compravam seus próprios escravos, administravam suas famílias e se casavam ou mantinham relacionamentos ilegais. Até que ponto elas eram influenciadas pelas regras sociais católicas ou pelos costumes africanos não apagados pela violência do tráfico humano? Para tal pesquisa, me debruço sobre documentos eclesiásticos e fiscais, observando principalmente as práticas matrimoniais e a aquisição de escravizados por elas.
Bianca de Sá
é natural de Santos Dumont, Minas Gerais, é graduada em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente está cursando o mestrado na mesma instituição. Seu trabalho de pesquisa se concentra nos métodos de integração social das mulheres libertas na sociedade livre, com foco na freguesia de São Caetano, em Mariana, Minas Gerais, durante o século XVIII. Além de sua atuação como professora e historiadora, Bianca é também uma habilidosa artesã de crochê e uma entusiasta da literatura e música brasileiras.
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