Assembleia Cidadã Global reúne 100 participantes do mundo todo até 2022. Eles escrevem a Declaração dos Povos para o Futuro Sustentável do Planeta Terra.
Quase metade da população de Goiás depende do abastecimento do Meia Ponte, um rio que corta 39 municípios, mas que nas últimas décadas perdeu mais de 8% da vazão, 97% da mata ciliar e recebe todos os dias, em média, uma tonelada de resíduos sólidos. O catador de materiais recicláveis e servente de pedreiro Wanderson Alves Pires, 25 anos, não depende do rio apenas para conseguir água. Era de lá que ele retirava parte da alimentação da família, pescando e coletando vegetais e frutas.
Há meses, no entanto, conseguir alimento no rio tem sido difícil, ele relata. Os peixes estão sumindo, as nascentes secando, a mata desaparecendo e sendo substituída por áreas de pastagem, principalmente na região onde ele vive, a ocupação Estrela D’Alva, em Goiânia. “Antigamente, o Meia Ponte era fundo. Eu passava o tempo todo nadando lá. Hoje dá para atravessar o rio a pé”, conta Wanderson, que é neto de indígenas. “Nem neblina mais estamos vendo de manhã”.
Essa é a história que Wanderson contou nas últimas semanas, na inédita Assembleia Cidadã Global , evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) que reúne 100 pessoas comuns, de todas as partes do mundo, para responder como a humanidade pode enfrentar a crise climática e ecológica de uma forma justa e eficaz. Wanderson foi indicado pela ONG Guardiões do Meia Ponte para integrar a Assembleia, financiada pelo governo escocês e a European Climate Foundation, apoiada por ONU e Reino Unido, e administrada por uma coalizão de mais de 100 organizações. O evento começou em outubro e segue até março do ano que vem.
Além dele, outras duas mulheres representam o Brasil neste processo: a costureira Izildete Maria de Sousa Botelho, 67, de Uberlândia (Minas Gerais) e a cozinheira Joseane Souza, 60, moradora da comunidade Alto José do Pinho, em Recife (Pernambuco). Juntos, eles compõem o grupo de oito latino-americanos que ajudaram a construir a versão preliminar da Declaração dos Povos para o Futuro Sustentável do Planeta Terra, documento entregue na semana passada para os principais líderes políticos em Glasgow, durante a COP26.
A declaração – Apesar da publicação final da declaração estar prevista para março de 2022, a versão provisória deixa claro que os cidadãos endossam as medidas de cumprimento do Acordo de Paris e também avança em questões como o reconhecimento do meio ambiente limpo e saudável como um direito humano. Além disso, adota o termo “ecocídio” para pleitear que práticas danosas ao meio ambiente sejam consideradas violações de leis internacionais.
A Assembleia buscou a diversidade da população do planeta: 60% dos convidados moram na Ásia, 17% na África, 50% são mulheres e 70% têm renda diária de até dez dólares. Usando um algoritmo de densidade populacional e distribuição geográfica da NASA, agência espacial dos Estados Unidos, a administração da Assembleia sorteou cidades que atendessem a esses critérios e acionou organizações civis locais, que indicaram moradores interessados e capazes de representar a diversidade de suas comunidades. Um novo sorteio foi feito entre os indicados para fechar o grupo de 100 pessoas.
“Este é um processo que reconhece a necessidade de vozes reais participarem de um debate deste nível e que a diversidade é importante para tomada de decisão”, diz Amanda Suarez, uma das coordenadoras do braço recifense da ClimateScience, organização internacional que recrutou Joseane.
Experiências – Em Alto José do Pinho, a realidade que Joseane precisa mudar é a de novos deslizamentos de terra causados pelas chuvas, problema que afeta diretamente sua rotina: Recife é a 16ª cidade mais ameaçada do planeta pelas mudanças climáticas com o aumento do nível do mar. Agora, a cozinheira planeja engajar os vizinhos.
“Antes da Assembleia, para mim as mudanças climáticas eram uma coisa distante. Eu me preocupava com o calor, mas não sabia a importância que isto tinha. Agora estou entendendo que muitas coisas estão sendo afetadas, as barreiras deslizando, o mar avançando… Por isso que tudo que aprendo nas reuniões estou passando para quem está perto de mim”, conta.
O mesmo movimento está sendo feito por Izildete. Além de costureira, ela também trabalha com artesanato feito a partir de materiais recicláveis. Moradora em um condomínio de 300 famílias, ela espera agora mobilizar os vizinhos no tratamento de lixo. Izildete deve contar com a ajuda do Instituto Ipê Cultural para esta missão, organização que a indicou para participar do evento.
“Nos primeiros dias da Assembleia, fiquei muito preocupada com a mudança climática, perdi noites de sono pensando nos jovens, nas crianças e na situação que eles podem enfrentar. Mas aos poucos fui entendendo o que posso fazer para mudar, como participar”, relata a mineira. “Agora considero que ter sido sorteada para participar foi como ganhar em uma loteria. É uma sensação muito gratificante representar a minha cidade e saber que a minha palavra chegou nesse nível de ação global, podendo ajudar a mudar as coisas”, conclui.
Matéria originalmente publicada em Nações Unidas Brasil em 12/11/2021 – Atualizado em 12/11/2021.
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