Um indígena brasileiro venceu o concurso de fotografia Povos Indígenas e Comunidades Locais, realizado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
Para saber se as condições climáticas irão favorecer a colheita anual, os indígenas Pankararu puxam um cipó. Numa espécie de cabo-de-guerra, os membros da comunidade localizada no sertão pernambucano dividem-se em dois times. Um deles puxa a cipó em direção ao leste e o outro para o oeste. É através desta disputa de forças que as entidades religiosas informam suas previsões aos Pankararu: se o cipó terminar no lado onde o sol nasce, no leste, o clima será próspero e a comunidade viverá um ano de abundância. Ultrapassar para o lado oeste significa pouca chuva e escassez.
Depois de assistir a uma série de previsões de seca, o estudante de mestrado Joanderson Gomes de Almeida, de 30 anos, passou a se perguntar o que ele e a sua comunidade poderiam fazer para que o cipó permanecesse no lado leste. Foi com esta inquietação e com um celular que ele fotografou a cerimônia do puxamento do cipó durante a tradicional festa do Flechamento do Imbu, uma comemoração indígena que marca o início da colheita.
“Essa tradição acontece só uma vez ao ano na comunidade, mas durante o nosso dia a dia, por que a gente não lembra dessa previsão? O que eu posso melhorar para que no próximo ano a gente possa ter um resultado de fartura e abundância? Esta é uma reflexão sobre os cuidados que a gente às vezes não tem com o meio ambiente no nosso cotidiano”, conta o estudante em entrevista ao Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio).
Quatro anos depois do click, a foto foi parar em uma exposição na sede da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), na Suíça. A imagem “Puxamento do Cipó” virou a metáfora perfeita para simbolizar o impacto das mudanças climáticas e, por este motivo, venceu o primeiro concurso de fotografia da OMPI voltado para jovens de comunidades tradicionais.
O prêmio entregue no Dia da Terra também contemplou jovens do Quênia e Filipinas. O anúncio dos vencedores foi feito no último dia 22 de abril e culminou com a exposição em Genebra. A intenção da Organização da ONU era estimular que os jovens de comunidades tradicionais expressassem criativamente o impacto das mudanças climáticas em suas regiões e, ao mesmo tempo, aprendessem a proteger seus trabalhos recorrendo aos direitos de propriedade intelectual. Para escolher os vencedores, entre mais de 30 imagens finalistas, foi convocado um painel independente de jurados constituído por quatro fotógrafos internacionais.
“Os jovens têm o maior interesse no futuro do nosso planeta e é por isso que estou satisfeito que o primeiro Prêmio de Fotografia da OMPI esteja oferecendo aos membros de comunidades indígenas e locais a oportunidade de se expressarem através da fotografia sobre a crise climática e outros desafios relacionados que estão enfrentando”, declarou o diretor-geral da OMPI, Daren Tang, durante a cerimônia de premiação.
Na oportunidade, ele também destacou como é estreita a relação das comunidades indígenas com o meio ambiente e seus recursos, sendo elas as primeiras a enfrentarem as consequências diretas da crise climática, como a perda da diversidade biológica e o aumento do nível dos oceanos. Ao parabenizar o indígena brasileiro pela conquista, o diretor-geral lembrou que o povo Pankararu tem uma forte vocação de preservar a natureza e as tradições. No entanto, eles também têm sido castigados por períodos sem chuva e seca, o que dificulta as atividades agrícolas tradicionais.
Conexão – Em Pernambuco, a comunidade Pankararu está estabelecida entre os municípios de Petrolândia, Jatobá e Tacaratu, distante cerca de dez quilômetros do rio São Francisco. Esta proximidade ajuda a explicar porque a água, mais do que um recurso essencial para a vida, também é considerada parte da constituição deste povo. “Existia uma ocupação tradicional desta terra narrada na própria cosmologia do povo Pankararu. As primeiras entidades, que chamamos de Encantados, eram pessoas normais que receberam o dom depois de entrarem na cachoeira do rio São Francisco. E hoje nós não temos acesso a água. Esta é uma reivindicação do povo Pankararu. A gente mora a menos de 10 quilômetros do rio São Francisco e não temos água”, explica Joanderson.
Em sua inscrição no concurso da OMPI, o estudante de mestrado defendeu que jovens indígenas ocupem espaços como estes e que novas soluções inovadoras sejam propostas a partir de parcerias com as comunidades locais. “Os indígenas têm uma forma tradicional de cultivo e manejo da terra, sem o viés mercantilista. Não vemos a terra como objeto de produção de capital, mas como uma forma de vida e subsistência. Ainda há muito o que se falar sobre clima e sobre povos indígenas para além desta visão marginal”, pontua. “Agradeço a OMPI pela iniciativa de criar esse concurso e por incentivar jovens indígenas e de comunidades tradicionais a participarem. Agora, com o prêmio, poderei registrar estes momentos com mais qualidade e profissionalismo”.
Como primeiro colocado, Joanderson ganhou da organização equipamento fotográfico profissional no valor de 3.500 dólares.
Matéria originalmente publicada em Nações Unidas Brasil em 16/15/2022 – Atualizado em 16/05/2022
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