Bordar é um ato de amor. Bordar é abrir caminhos e também é transbordar.
Minha pesquisa sobre o feminino surgiu em 2013, e de 2018 pra cá venho bordando fotografias de mulheres. É um processo íntimo, para além da pele e das pontas dos dedos que são alongados pela agulha e pelas linhas, que juntos são como verdadeiras pontes de conexão. São relações que se suturam, emendam, enlaçam, e constroem redes.
Minha coluna, a estrutura que me mantém plenamente em pé e viva é toda feita de lã, de fio moulinè, de linha de costura e linha perlé. É no nó que tenciona e atrita esses encontros de texturas e cores que encontro abrigo e sustento. Olho em frente, sigo na certeza de que me mantenho viva na estrutura de cada enlace feito, posso até me sentir só durante o processo de bordar e criar, afinal, trata-se de um processo feito a partir de uma matéria maleável, descontínua; adapto-me e evoluo a cada novo bordado, para além de cada corpo, pele, mãos, dedos, agulhas, linhas, tesouras, fotografias e tecido, eu bordo, transbordo e retorno. Cada furo da agulha é uma escolha, uma possibilidade de erro e acerto, é algo que se arquiteta, se constrói imageticamente pois é um bordado feito sobre fotografia, mas sinto que me modifica também. O ato de tecer é uma escolha, o tempo inteiro furo mais para a esquerda, ou mais para a direita, construo linhas que lembram raízes, gotas de chuva, árvores, galhos. Vou tecendo e reescrevendo a partir de cada direção que tomo, vou construindo um percurso interno, ora entro, ora saio da superfície, e assim vou me redescobrindo outra durante esse trajeto, uma nova imagem aparece, um novo eu e um novo tu.
Quero me sentir inteira através de cada pedacinho do meu corpo e fluir com as águas internas. Seguir o percurso interno, mapear os fluidos inspirada pelo fluxo dos rios, mares e marés, ter a leveza de uma folha seca levada pelo ar e recém caída na terra. Empondero-me desse desejo, na certeza de que o corpo feminino é a natureza em si. Minha pele é toda casca de fruta, de folha seca e úmida também. Bordar é lembrar, lembrar da nossa essência, lembrar da natureza que habita em nós e das nossas memórias mais remotas. Nosso corpo é tão potente, tão cíclico como as estações e os fenômenos naturais. Bordo para alinhavar essa sabedoria implícita no corpo, inconsciente. Meus ossos são galhos, raízes fortes e linhas moliné entrelaçadas. Alinhavo para juntar e acabo rememorando o lugar de onde eu realmente me sinto inteira, sou feita de terra, água, ar e fogo e também de linha de costura, fios coloridos, escrita abstrata, desenhada na imagem.
Essas são linhas e teias que saem das profundezas do meu ventre, pois meu instinto me leva para o tecer através, e, a partir da minha própria natureza. Quero bordados para além das bordas, das margens das coisas, das peles, limites e continentes. Por vezes vejo veias nas linhas e sinto cada peça como um organismo vivo e pulsante na minha frente. São obras rizomas de afeto.
Vanessa Ximenes é artista visual, possui mestrado em Linguagens Visuais pela UFRJ, bacharelado em Artes Visuais/Escultura pela mesma instituição. Sua pesquisa sobre o feminino se iniciou em 2013 e recentemente se reverbera através da linha, do gesto das mãos que geram esculturas de gesso e de resina, bordados em fotografias e escritos poéticos. Participou da feira VENICE INTERNATIONAL ART FAIR, em Veneza na Itália em 2019, da residência coletiva TERRA UNA, ecovila – Minas Gerais, no verão de 2020. Dentre outras exposições coletivas se destaca CONJUNÇÃO no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica , do Rio de Janeiro, com curadoria de Keyna Eleison, e DESNUDO na Galeria Benedito Nunes no Pará, com curadoria de Vania Leal.
Em janeiro e fevereiro de 2022 teve seu trabalho amplamente divulgado com a exposição solo BORDA na Galeria Modernistas, no Rio de Janeiro, com curadoria de Ana Lobo. Possui obras que integram as coleções de Arte Contemporânea de Eduardo Vasconcelos (Belém | PA) e Josemar Antonio Souza (Salvador | BA). Foi premiada pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra em parceria com ARTVEINE com a obra de vídeo nomeada por “A busca da margem” que foi exibida na XXIV Semana Cultural da Universidade de Coimbra, Portugal, atua também atua como professora e pesquisadora no IFRJ desde 2018.
Instagram: @vanessasantosximenes
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