Tocou-se delicadamente à procura de alguma sensação que lhe trouxesse, pelo menos, a memória do que era o prazer. Casou-se aos quinze anos com um homem bem mais velho e que fazia sexo por entre uma fenda no pijama. Arfava e suava tanto que mais parecia um porco sendo castrado. Dela, mulher estática, estátua esculpida em mármore carrara, não se ouvia sequer um suspiro. Durante o ato, fixava sua mente nos afazeres por fazer, assim, engavetando no arquivo morto de sua mente as experiências urgentes de serem esquecidas.
Perdera o marido aos vinte e cinco anos e precisou se esforçar muito para verter uma lágrima. A morte de Romão era, antes, um livramento concedido apenas aos elevados de espírito como o dela, assim pensava. Dez anos de casada e cumprira bem o seu destino.
Agora, viúva, poderia vislumbrar uma vida mais autônoma. Guardou luto por um tempo, como era o costume das senhoras de família, e decidiu mudar-se com seus empregados para a Quinta São Tomé das Flores. Lugar de natureza exuberante, de ares frescos, de uma neblina fininha e fria que caía todas as manhãs, mesmo no verão escaldante. Colocava-se de pé logo o primeiro galo cantasse e ia para o deque de seu quarto com uma xícara de chá de jasmim, muito bom para os nervos, afirmava sempre. De lá podia vislumbrar as montanhas e uma trilha por onde passavam turistas, rumo ao pico Chaminé, assim conhecido por conta da cerração e das nuvens formadas acima dele, parecendo fumaça rompendo o céu. Porém, nos últimos dias, a sensação de liberdade, de tranquilidade da jovem viúva deu lugar a uma solidão profunda e ao mesmo tempo a um formigamento quente que lhe subia pelas pernas e atracava-se na região púbica. Seu leque e camisolas frescas e banhos fora de hora não davam conta de aplacar a fúria dos hormônios que lutavam por um escape. “É preciso casar de novo!” E, logo, vinha-lhe como castigo o arquivo morto, lembrando-lhe do suor, dos roncos angustiantes de Romão e de seu membro nem rijo nem nada, invadindo sua intimidade por uma fresta.
“Não é possível que seja assim sempre!” “Se ruim, por que tanto desejo?” Por uma fração de segundos sentiu saudade de Romão. Mas logo tratou de tomar um banho, vestir-se e sair por entre as trilhas sonoras de passarinhos invisíveis, de cachorros esqueléticos e de arvoredos inexplicavelmente verdes que guardavam borboletas tão azuis que davam inveja ao céu invariavelmente azul nos dias de verão. No caminho, seguida de perto do mais fiel empregado, guardador de suas virtudes, parou perto de uma nascente para refrescar-se. Descalçou-se, levantou as calçolas até os joelhos, segurou firme a barra do vestido envolto em três camadas de tecido e de sua anágua, que cobriam todo o seu corpo, deixando apenas os braços e o colo desvestidos. Assentou-se, mergulhou os pés cansados da caminhada e seu fiel escudeiro fez-lhe sombra refrescante. Olhou ao redor, percebeu o vazio de gente e de sons, tentou auscultar o burburinho das águas claras que nasciam e caminhavam para o longe rio, cortando vales e montanhas. Por alguns minutos deixou-se invadir pelo silêncio das águas nascentes e, logo, sem mais nem menos, o calor e o formigamento tomaram conta de seu corpo sedento, agora, daquilo que nunca tivera. Feito louca e doidivana arrancou de uma só vez as três camadas de tecido que lhe envolviam o corpo e pôs-se seminua em sua anágua íntima. Entrou na nascente do rio como uma sereia que ficara fora d’água por tempo suficiente para perder as forças e o encanto. Deixou-se invadir pela sensação gélida das águas na esperança de interromper suas ondas de calor e seus pensamentos mundanos. Porém, olhou para Ariel e viu nele o Caliban de seus sonhos dantescos. Ordenou-lhe que a contivesse, que a resgatasse daquele inferno. Ele, então, fiel e que havia enviado para seu arquivo morto os desejos por sua senhora, envolveu-a em seus braços e a fez mulher.
Pela primeira vez, o prazer com que tanto sonhara e que lhe fora roubado em longas noites infortunas pelo homem do pijama de fenda e de seu membro nem rijo nem nada, veio-lhe como as águas revoltas de um rio. Agora sim podia se sentir mulher. Desconstruiu-se.
Joseani Adalemar Netto É natural de Santos Dumont, Minas Gerais. Formada em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Educação Infantil, Especialista em Educação Contemporânea pelo IF-Sudeste, campus Santos Dumont e Mestre em Letras – ProfLetras UFJF. Leciona Língua Portuguesa e suas Literaturas na Rede Municipal e Particular de Santos Dumont. É membro efetivo da Sociedade Brasileira dos Poetas Adravianistas (SBPA), Coordenadora do Projeto de Leitura LeiturAMA-SD, membro atuante da Ação em Movimentos Artísticos de Santos Dumont (AMA-SD), fundadora e coordenadora da Academia Brasileira de Autores Aldravianistas Infantojuvenil – SD (ABRAAI-SD), membro correspondente da Academia Portuguesa de Ex-Libris (APEL). É contadora de histórias, palestra sobre Educação e Literatura, ministra oficinas e atividades culturais voltadas para o incentivo à leitura e à escrita tanto para estudantes quanto para a formação de professores na cidade de Santos Dumont e região. Tem seus textos publicados em antologias literárias como o Livro IV, V, VI, VII e VIII e IX das Aldravias; Antologia Juiz de Fora ao Luar; Antologia Múltiplas Palavras, UBT (JF), e-book Cronistas da Quarentena (2021), Livro foto-poema pela Lei Aldir Blanc. Possui capítulos em livros pedagógicos voltados para o Letramento Línguistico e Literário, artigos publicados em jornais e revistas voltados para a Educação. Já prefaciou livros e quarta capa para vários outros escritores e poetas. Trabalha como revisora linguística em várias publicações. É colaboradora externa no Projeto Propostas Pedagógicas para o Ensino de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, atuando como co-orientadora dos bolsistas de Letras na construção de sequências didáticas, do IF-Sudeste, campus Juiz de Fora e atua também no projeto de pesquisa Performances do Narrador, UFMG, com o olhar para as obras de Conceição Evaristo. Participa de forma atuante em oficinas, palestras, cursos, saraus e atividades afins. Possui certificados e medalhas de Mérito Cultural por sua atuação como fomentadora da cultura local e da região, oferecidas pela SBPA, Lesma Poesia, Rotaract, Interact, Câmara Municipal de Santos Dumont, dentre outros.
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