-Tá sem juízo?! -Ela caminhava à minha frente, por entre os corredores, quase que ensaiados:
– Localizar o produto e a marca; conferir o preço; se assustar; e procurar um similar.
Seguimos empurrando carrinhos, cada dia mais vazios e cada vez mais caros.
-Sabe?- disse procurando algo, -sou aposentada, salário mínimo. Meu marido também. Eu continuo trabalhando, e me pergunto todo mês: se não for assim, só com a aposentadoria, eu sobreviveria? Água, luz, internet e mercado… meu único luxo é a prestação da máquina de lavar”.
-As coisas encareceram, né? – falei tímido.
Ao mesmo tempo, dois repositores conversavam ao fundo:
-A gerente não para de pedir voto pro Bolsonaro…”
-Nem precisa, eu já voto nele! -disse o outro.
-Você tá sem juízo? – interrompeu a senhora.
O espanto tomou o corredor.
-Ah moço, desculpa! Saiu sem querer!”.
-Vota em quem quiser. Mas faz isso com muita clareza. Você recebe salário e sabe que anda tudo caro. Não tá bom pra gente, não! – argumentou.
-Dona, cada um tem seu voto – resumiu o repositor.
– Sim – retrucou a senhora. – Mas não é estranho sua chefe querer tanto que votem em um candidato?”
-Talvez porque ela quer o melhor pra gente…- o jovem tentou encerrar.
“Minha patroa também vive querendo o melhor pra mim. Mas nem sempre o que é melhor pra ela é pra mim, entende?”
Eu estava preso entre os dois.
-Ela vem ao supermercado todo mês, eu também. Ela disse que entende minha dificuldade. Mas minha lista de compras vai diminuindo, a dela não… não é porque a gente faz mercado todo mês que nossa realidade é a mesma, né? Meu dinheirim mal dá…”
-Ihhh! Eu já disse isso pra ele, dona!” -interrompeu o outro repositor, realizado com a “bronca”.
-Mas a senhora já viu, né?! Pastor falou, tá falado -terminou.
-Não, não, não! Eu também sou evangélica. Mas não vai ser pastor que vai me dizer o que fazer, não! –
Da realidade concreta da inflação, aquela senhora conseguiu expressar conceitos complexos: da laicidade do pensamento à percepção de grupos sociais distintos. Às vezes, subestimamos a capacidade de entendimento da “massa” e recorremos às necessidades imediatas para sua sobrevivência, quando, na verdade, deveríamos ouvi-los e compreender que ela não é uniforme: nem em necessidade; nem em fé; nem em compreensão da realidade…
A arrogância que alguns nutrem em relação às “massas” é um erro.
Iverson Silva é professor de História da Rede Pública, Historiador e Escritor.
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Muito boa sua crítica – ” A voz do povo é a voz de Deus”, não é isso que diz o dito popular? Bom seria, realmente, se nós (e aqui digo nós formadores de opinião e também os agente de governo e classe política) descêssemos de nossos pedestais de arrogância, e notório saber, para ouvir mais e aprender com a sabedoria popular. Certamente, muito do que experimentamos nos últimos anos teria acontecido de forma diversa. Parabéns pelo texto!