Dissolução

e se o tempo fosse apenas o convencimento ilusório das conveniências ilusórias a partir das quais padecemos corpo, mente, espírito,? da falta de um desejo genuíno que nos afirmasse Terra, Água, Ar e Fogo? O tempo é algo demasiadamente humano. 

e se descobríssemos, afinal, apesar de milênios em que vomitaram na nossa cara toda sorte de estupidez que sustenta a fantasia de que somos o centro do Universo,?, em nome do pai, filho e espírito santo, amém, que não há centro do Universo? Deixaríamos, afinal, de ser esse amontoado de presunção, orgulho torpe e estupidez? 

e se nos espantássemos, pois, com o fato (repito, o fato) de sermos constituídos dos mesmos elementos que constituem os planetas, estrelas, galáxias,?, apesar de acreditarmos, em nossa renitente ignorância de que há um não sei que seja, que serve como cola abstrata de nosso espírito a um espírito maior que é sintoma do Vazio – constitutivo, também ele – do Cosmos e dos Corpos? Choraríamos desamparados ou nos alegraríamos em nossa órbita singular? 

e se desvendássemos a teia de aço com a qual nos enlaçaram, anos, décadas, milênios,(?) , a fio – convencendo-nos que as quatro dimensões são a única prisão que nos aprisiona? Acreditem, as dimensões são incontáveis e a prisão, as prisões, consistem em janelas refletidas num espelho pendurado na parede invisível de nossas ilusões. Lembram o nome disso? 

e se inventássemos, artistas que somos, do barro em que atolamos nossos pés, dia, tarde, noite, madrugada, (?), uma nova garganta capaz de uma nova forma de produzir novos gritos originários do grito fundamental que nos soprou artistas? Capaz que jamais, fosse assim, nos obrigassem a engasgarmos, a sufocarmos, a estrangularmos em nós, nosso grito. 

e se orientássemos nossa sede, não pra água podre que sorvemos, estúpidos, sob pena de morte, ontem, hoje, amanhã, (?), fenecendo raízes sobrantes da nossa pérola esquecida, mas sim pra água viva que, afinal, habita, se é que habita, olhos, ouvidos, garganta, e, de repente, decidíssemos tomá-la conscientemente? Acaso não veríamos o que não enxergamos, não ouviríamos o que não escutamos, não lamberíamos com mais ardor, enfim, o gosto das coisas? Alegria é sorver. 

  

e se trocássemos o alento febril que nos ocasiona um amor angustiado e rouco, infância, maturidade e velhice, (?), pela clara solidão que nos abre o campo das liberdades, inclusive possibilitando amores outros, mais capazes, mais potentes, mais leves? Quem sabe que “filhos” e “filhas” poderiam nascer desta árvore nova? 

e se houvéssemos perdido nossa fonte essencial em meio à transição evolutiva, anfíbio, mamífero, homem, (?), e por alguma mágica obscura, separados fomos da plenitude perfeita da Natureza, originando esse tipo de aberração aberrante que assombra a Vida na Terra com sua presença devastadora? Nos interessaria, acaso, retornar a essa fonte? 

e se antecipássemos o futuro possível de ser calculado em nossa imaginação, viagem, mistério, intuição, (?), e olhássemos de lá para cá o enigma alucinante que, feito sonho ruim, causou tamanha desgraça a nós e aos outros seres viventes, compreendendo, enfim, o real ponto de ruptura, o ponto sem retorno? Sentiríamos, será, vergonha ou orgulho? 

e se soubéssemos que o avesso do avesso, no fundo, nada mais significasse que trocar seis por meia dúzia, fé cega, panaceia, falso arroubo, (?), e descobríssemos, enfim, que temos assim vivido há milhões de anos sem nos dar conta que é possível outra vida? Acreditaríamos uma nova fé capaz de operar múltiplas vidas dentro da Vida sem que isso destruísse tudo? 

e se nós entendêssemos que o pegajoso romantismo com o qual grudamos nossos ossos à carne, linear, diagonal, circular, (?), produzisse uma espécie de câncer que, embora não nos mate, impede, gradualmente, porém, todo legítimo movimento do desejo? Estaríamos dispostos a arrancar nossos ossos e caminhar próteses autômatas rua acima e rua abaixo? 

e se olhássemos para o espelho de olhos fechados e víssemos que pra além dos olhos, abstração, imaginação, sonho, (?), somos corpo? Mais que isso, nosso corpo sendo uma extensão do Corpo Total que é a Natureza e que, portanto, estaríamos intrinsecamente ligados uns nos outros, seja qual seja o Reino que imaginamos como nosso território? Arriscaríamos, enfim, largar a faca com a qual cortamos a teia que nos unia ao tronco e passaríamos a tecermo-nos novamente? 


Evandro Alves Maciel, nascido no ano de 1980, na cidade de São Paulo, é poeta e fotógrafo. Começou a escrever poemas aos dezessete anos, após um mergulho profundo no Abismo e do encontro com Manuel Bandeira, Drummond e Clarice Lispector. Estudou Filosofia pela Faculdade de São Bento, de São Paulo, e busca exprimir em seu trabalho os potentes atravessamentos entre a Palavra, a Imagem e a Pensamento, como forças comuns. Publicou seu primeiro livro de poemas, Veneno de Ornitorrinco, em janeiro de dois mil e dezesseis pela Editora Patuá, integrando a Coleção Patuscada 2, premiada com o ProAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.  


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Um comentário

  1. Transcendental o seu texto. Adoro metafísica.

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