Calor escaldante.

Não havia sombra ou vento.

Sensação térmica intensa em meio a floresta de asfalto, concreto e aço.

Não atoa, a fila do tradicional sorvete de fast-food era quilométrica.

Aguardava o sinal fechar para seguir, quando senti uma lambada na canela.

“Opa!!! Desculpa aí quem for…”

Virei, incomodado, e reparei: ele era cego.

“Tranquilo”, respondi acalmando o meu-eu.

“Se tá tranquilo, me ajuda a chegar no mercado municipal?”, disse sorrindo.

Comecei a rir, afinal meu destino estava do outro lado da rua e o dele a quase um quilômetro à frente, debaixo do sol escaldante.

Lentamente estendi o braço, me apresentei e ele retribui a saudação.

O semáforo fechou, comuniquei e iniciamos nossa jornada.

“Sr Iverson, obrigado! Caminhar pela Getúlio não é fácil. Eu tenho uma doença degenerativa que tirou minha visão. Só vejo vultos e quando consigo alguém para me auxiliar no trajeto, torna-se mais seguro.”

“Acredita que se não for isso tenho que ficar atento ao som dos carros?”

“O senso de localização do sr deve ser bom…”.

Dessa vez quem ri é ele.

“Tento, mas se vier uma bicicleta ou moto e não percebo…”

“Se tivesse sinais sonoros nas faixas, ajudaria?”, indaguei.

“Ajudaria. Mas, a verdade é que a cidade não é pensada para nós. Porque ninguém que pensa a cidade nos pergunta como a melhorar para nós”.

Não sabia o que dizer, afinal: pra quem de fato a cidade é pensada além daqueles tidos dentro da “normalidade”?

E de fato, se não ouvirmos os que usufruem do espaço como tornar a acessibilidade uma realidade de fato acessível?

“Eu não me preparei pra cegueira, sabe?! Quando percebi estava preso em casa já um bom tempo, sem autonomia nenhuma. Só quando fui na associação dos cegos é que comecei a reaprender a viver”.

“Foi lá que ganhei novos olhos”, disse levantando a bengala.

“Não foi fácil. E a falta de espaços adaptados torna ainda mais difícil. Essa pontinha vive quebrando por causa das calçadas”.

“Para mais autonomia é preciso mais do que boa vontade, entende?”.

Já havia me esquecido do calor, era uma aula de inclusão e acessibilidade.

A cegueira dele era física.

A nossa é apática, social, excludente, discriminatória…


Iverson Silva 

professor de História da Rede Pública, Historiador e Escritor.


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Um comentário

  1. Para além do bom texto, bem escrito e agradável, o tema da inclusão e da acessibilidade ainda é tão negligenciado, mesmo entre nós ditos normais e escreventes de estórias. Parabéns pela sensibilidade e cuidado.

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