A exposição “Armadilhas: Maternagem e Arte” aconteceu na Galeria de Artes Lourdes Saraiva em Uberlândia (MG) de 20 de outubro a 25 de novembro de 2022. A mostra que passou pelo edital de ocupação de galerias da secretaria de cultura do município, propõe diversas reflexões sobre a maternagem e a criação artística, apresentando trabalhos desenvolvidos por mim, entre 2015 e 2021. As obras que integram a primeira parte desta exposição foram realizadas entre 2015 e 2017, junto com minha pesquisa de doutorado na História Social da Universidade Federal de Uberlândia -UFU, intitulada “O parto nas artes visuais: uma abordagem histórica e feminista do nascimento e da maternidade”. As obras mais recentes foram desenvolvidas em uma residência artística no ano de 2020 e como artista convidada do Coletivo Mãe Artista, em 2021. Vale também citar aqui que esta pesquisa imagética e teórica, desde 2017, integra a linha de pesquisa “Expressões Maternas” do Grupo de pesquisa “Feminismos nas Artes Visuais” do Instituto de Artes da UFU.
Em convergência com a abordagem contemporânea sobre arte e maternidade, o conjunto de trabalhos apresentados nesta exposição pretendem refletir sobre os diversos aspectos da maternagem. Pensando os desafios, os prazeres, as dificuldades e pressões enfrentadas na relação mãe e filhos, a mostra começa com imagens de parto, que oferecem ao público narrativas sobre o nascer, mostrando sensações diversas expressas pelos rostos de mulheres. Depois, com o objetivo de trazer para o meio artístico imagens cotidianas e domiciliares sobre o maternar, a exposição apresenta uma série fotográfica, de imagens em grande formato e impressas sobre tecido, com cenas vividas durante a pandemia (2020/2021). E, na última parte da exposição, provoco o público para invasão materna na cidade, distribuo aos espectadores a série de lambe lambes “Lamb a mãe”, feitos para o Projeto “Lambe-cria cria-lambe” (2021), com frases fora do comum sobre o que é ser mãe.
O assunto da maternidade é comum nas Artes Visuais, sendo as imagens mais frequentes historicamente as das Madonas com o menino. Contudo, desde a década de 1990, artistas contemporâneas têm pensado explicitamente sobre novas imagens da maternidade, pois o trabalho intensivo envolvido nos atos maternais de cuidado sempre foi esquecido. Se antes estas imagens eram produzidas em sua maioria por artistas homens, agora temos imagens e reflexões de artistas mulheres que assumem a maternagem como fonte de criação artística. Mas é pertinente lembrar que o autorretrato representado pela maternidade é um tipo de imagem recente nas Artes Visuais no ocidente. Uma das primeiras artistas reconhecidas que realizou uma pintura na qual se apresentou com sua filha, fazendo, portanto, um autorretrato como mãe, foi Elisabeth-Louise Vigée-Lebrun, em Paris, em 1786.
O movimento de artistas mães tem se espalhado nas últimas décadas nos EUA, Europa e Brasil e já apresenta várias possibilidades: coletivos de arte, como o Maternal Fantasies na Alemanha e o Matriz em Brasília; residências artísticas, tais quais o Artist in Residence in Motherhood e o Mulher Artista Resiste em Florianópolis; coleções de arte, como o Birth Rites Collection na Inglaterra, e o Museum of Motherhood nos EUA.
Parte 1: O Parto
Depois de parir o Oto em 2011, e o Ivo-2012, ainda bem envolta nas questões maternais, comecei a pesquisar artistas que tivessem tratado do parto em suas produções. Em meio a obras de arte bastante críticas sobre a maternidade, resolvi me aventurar nos partos de outras mulheres, e a partir destes registros pensar minha produção artística. É assim que nascem duas séries fotográficas: “Narrativas de Parto” (2015) e “Parto e Êxtase” (2016). O projeto expográfico sugere que a mostra se inicie com estas imagens, onde o foco é o rosto da mãe no trabalho de parto, suas expressões e sensações, e não o nascimento fisiológico em si.
Aqui imagem fotográfica é usada como instrumento de poder e convencimento. Sua proximidade com as imagens da realidade faz com que um fragmento enquadrado e congelado do real ocupe o lugar da experiência e tome o status de verdade. Pois se é assim, uso aqui esta estratégia para assinalar algo possível, que foi cuidadosamente esquecido pela repressão sexual feminina, o prazer no parto. Êxtase e entrega de um corpo que sente dor e prazer intercalados em cada contração.
Ainda neste tema usei as fotos dos meus próprios partos para fazer em 2017 o vídeo “Fantasy Birth Memory”, um trabalho que pretende aproximar o parto da sexualidade. Essa obra está na coleção Birth Rites na Inglaterra, e simula as sensações das contrações do trabalho de parto.
Frames retirados do vídeo “Fantasy Birth Memory”, Clarissa Borges, 2017, 7 min.
As fotografias tomadas casualmente em meus dois partos são misturadas neste vídeo, imagens tranquilas são interrompidas com fotografias muito rápidas e detalhadas deste mesmo corpo. O som foi feito misturando batimentos cardíacos e um punk rock muito forte e rápido. O vídeo termina com a escuridão, um som de prazer da mulher e um bebê chorando pode ser ouvido. Os diferentes sentimentos que tive no parto em dois momentos distintos estão juntos, o primeiro é o golpe forte, animal e profundo do infinito silencioso, o segundo foi feito de prazer e empoderamento corporal.
Parte 2: Esconderijos (armadilhas)
A exposição segue então para cinco imagens da série fotográfica “Hiding (trap)” (2020-2021) impressas sobre tecido em grande formato (2m x 1m40). A série é resultado da residência artística “Artist in Residence in Motherhood“, organizada por Lenka Clayton, entre 01 de outubro de 2020 e 01 de janeiro de 2021. Nestas imagens fotográficas presenciamos um jogo de esconde-esconde, da mãe que usa a casa como esconderijo dos filhos.
Ela reflete um momento tenso vivido na pandemia, onde estou presa em casa com dois filhos e um marido. Vivendo em plena pandemia sem saber quando sair, a casa recebe inúmeras invasões virtuais: escola, dança, teatro, trabalho, ginástica, inglês e reuniões. A vontade é de fugir e me esconder. Aproveitando momentos em que as crianças faziam alguma atividade, comecei a encontrar lugares em casa para fazer minhas “armadilhas de esconder”. Nesse trabalho proponho o exercício de pensar sobre a maternagem em sua dicotomia, um lugar que pode ser tanto o espaço da brincadeira de esconde-esconde, quanto uma armadilha de aprisionamento no cotidiano.
Clarissa Borges, “Sala27.10.2020b”, Série “Hiding (Trap)”, 2022. Fotografia digital impressa em tecido oxford. Tamanho: 140 x 200 cm.
Parte 3: Lamb a mãe
A exposição termina com uma série de cartazes, da série “Lamb a mãe”, feitos inicialmente como uma série de lambes a convite do Coletivo Mãe Artista para o Projeto “Lambe-cria cria-lambe” no mês das maio de 2021. Este projeto envolveu artistas de Brasília, Uberlândia, Rio de Janeiro e São Paulo e propunha um intercâmbio de arte urbana, fazendo os lambes se espalharem pelas cidades e contaminassem este espaço com questões maternas. Inspirada no popular álbum de figurinhas “Amar é” da década de 80, crio frases às vezes engraçadas, e outras vezes difíceis para impressão em formato A4 colorido, na suposta tentativa de descrever o que é SER MÃE.
Clarissa Borges, “Ser mãe é:”, Série Lamb a mãe, 2021. Imagens gráficas impressas sobre papel. Dimensões Variáveis.
Percebo ser crucial neste momento entender a relação da artista/mãe no processo de criação do trabalho artístico. Diversas artistas têm se colocado nas imagens, se apresentando com seus filhos, muitas vezes profanando imagem da boa e amorosa mãe, tão comum nas artes visuais. Ao me apresentar nas cenas de “Hiding (trap)”, ou no vídeo “Fantasy Birth Memory”, mostro meu corpo materno em um estado de poder, de escolha quanto as formas, cores e posturas, domino a imagem e direciono sua narrativa. Falo de minha própria experiência materna como espaço de potência.
Mas temos que ter cuidado pois tanto na arte, como na cultura atual, os jogos de poder são estruturados pelas imagens, impondo modelos e demandas para o corpo feminino. Eles simulam e desviam a atenção, parecem aceitar as possibilidades e diversidades dos corpos, mas, em seguida, estabelecem-se novamente como modelos. Ao oferecer aos expectadores perspectivas novas sobre a maternagem, proponho uma expansão de sentidos e afetos, trago para o ambiente artístico imagens de uma artista que ao experimentar a maternidade inclui esta experiência em sua produção.
Clarissa Borges é artista, professora, feminista e mãe de dois meninos. Fez bacharelado em Artes Visuais (1999) e mestrado (2002) em Arte pela Universidade de Brasília. Em 2008 mudou-se de Brasília para Uberlândia, para ser professora de Artes Visuais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nesta instituição realizou o doutorado em História Social em 2019, pesquisando parto e maternidade na arte contemporânea, a partir de uma perspectiva histórica e feminista. Desde 2017 é membro do Núcleo de Estudos de Gênero – NEGUEM e coordena o Grupo de Pesquisa Feminismos nas Artes Visuais. Usa fotografia e vídeo para explorar temas de maternidade, parto e sexualidade em seu trabalho artístico e tem trabalhos em coleções particulares no Brasil, Argentina, Inglaterra e EUA.
@borges_clarissa
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