Acredito que uma das coisas mais desafiadoras dentro da composição é o achamento do silêncio. As vezes, questiono até mesmo esse último deve ser encontrado. O momento que antecede o ritmo, a letra, a melodia e a produção para publicação, é desafiador pois diz de uma estrutura emocional interior, não apenas no sentido de como me sinto, mas como interpreto o que vejo, por exemplo.
Nesse sentido, o silêncio tem voz. Entre o olhar (leia se percepção) e a captura, existe um espaço de ação interno que interpreta o que se vê, o que se sente e, ás vezes, o que não se vê, o que não se sente, pois é necessário dizer daquilo que está em falta em alguns momentos.
Sob o silêncio, se cria. Quando digo isso, quero retornar a concepção de sentidos, ou seja, a estrutura pelo qual interpreto e reajo ao mundo, porque é exatamente mediante a isso que construo e desenvolvo o meu olhar para, então, repassar a folha uma porcentagem do que pensei. Escrever é complexo. Compor é despir um dos enigmas.
Quando pública, a música virá carregada por uma responsabilidade para com o outro, responsabilidade tal que também nasce sob o silêncio, a diferença está, como na maioria das vezes, no âmbito do público e privado, sendo que este último, nesse caso, se limita na fronteira daquilo que é individual, daquilo que ainda não se compartilhou. Logo, há uma responsabilidade própria sobre o que o seu silêncio produz.
Ainda na dimensão daquilo que é desafiador quando não se diz nada, penso nas camadas perceptivas que embalam a construção de uma lógica na composição. Quando se parte de uma perspectiva onde o silêncio é sinônimo de desertificação da alma criativa, se rompe com parte da estrutura que conduzirá o desenho da composição, tendo como resultado uma espécie de frankstein respaldado por uma mercadologia que, de quebra, é inconstante. Vale destacar a parte embrionária consolidada pelo silêncio.
Um certo amigo me disse que “o silêncio é caos, vazio e ensurdecedor, que denuncia o quão insensível me tornei, (…) é o lugar onde encontro as partes de mim que não queria/esperava descobrir ter” e é interessante pensar que o silêncio, propriamente dito, também serve enquanto denúncia e régua para os pormenores dentro de nós. Acima de tudo, acredito na função cognitiva que alerta para o insensível/sensível, bonito/feio, agradável/desagradável e etc, que não dizendo apenas de uma dicotomia vazia, irão desaguar em nossa música.
Em alguma medida, é necessário encontrarmos o silêncio e não o interpretarmos enquanto uma atrofia artística, pois este possui função e pode ter capilaridade suficiente para a produção de algo bom ou, ao menos, verdadeiro. Para concluir, relembro a fala de um músico contemporâneo genial e muito querido que diz que, o silêncio, também é musical.
Gyovana Machado é graduanda em História pela UFJF, formada no Seminário Teológico Rhema Brasil, líder de música em A Igreja.
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