Que corpo é esse? Corpo côncavo-convexo? Símbolo mítico do ouroboros, dragão-cobra que engole a própria cauda e circunscreve em si o início, o fim e a renovação.
Trazemos para o primeiro eixo curatorial as obras que evidenciam o corpo-mãe. Termo do qual denominamos os corpos que gestam vida, os corpos que cuidam de outras vidas, os corpos que adotam vidas, os corpos e as corpas que maternam, os corpos que engravidaram e não pariram,os corpos que abortam. O corpo-mãe é, antes de tudo, uma pessoa que ama, chora, grita, sofre, sente prazer, desejo e dor. Cada corpo-mãe é atravessado por particularidades, cada corpo se comporta de uma maneira singular, cada maternagem é específica. Os corpos-mães são atravessados por suas especificidades culturais sob diversas articulações de gêneros e marcadores sociais, raciais e de classe.
O corpo-mãe na obra de Mônica Ventura (1985), mulher-mãe e afro-indígena que, em suas pesquisas-poéticas, aborda experiências pessoais, bem como o feminino, a racialidade e a ancestralidade. Na pintura Salto dos 9, a figuração repetida da criança em quatro imagens que rodeiam o corpo da mãe exprime a complexidade do trabalho de cuidado.
Na obra de Priscilla Buhr (1985), a série Não Reagente expõe emblematicamente sua pesquisa e processo poético desenvolvido desde 2015 que abarcam o corpo-mãe. Seu trabalho instiga o olhar para situações que partem do lugar íntimo referente a um discurso autobiográfico, mas que tocam questões sobre a socialização da mulher, o controle dos corpos e expectativas sociais depositadas à maternidade.
O fio, o bordar e o tecer, também são trabalhados poeticamente na obra Mamãe chorando sem motivo, da artista carioca Mariana Guimarães. Utilizando um desenho produzido por sua filha, Mariana retrata o esgotamento psicoemocional de um corpo-mãe exausta-puérpera. Mamãe chorando sem motivo é um bordado que compõe o trabalho Crônicas do puerpério, no qual a artista acolhe a presença criadora de Rosa, sua filha.
O pós-parto é registrado pela artista brasiliense Tatiana Reis (1985), que, em sua série fotográfica Notas sobre meu corpo pós parto, investiga a sua barriga. Com experimentações corporais registra texturas, densidades, cicatrizes e formatos possíveis a partir dos tônus ou a falta dele, jogando luz para o corpo modificado e invisibilizado no pós-parto imediato.
Na videoperformance Sobre Cargas em Isolamento, a artista Jocarla Gomes aborda as vivências, experiências, desafios e riscos em maternar durante a pandemia do coronavírus. A artista joga com os sentidos quando se movimenta, empilha, junta sete sacos recheados com pedra-brita, de vinte quilos cada, que são forrados por fronhas brancas e alinhavados em linha vermelha as palavras: mãe; culpa; medo; abandono; invisibilidade; raiva e cansaço. A performance é realizada imbricada com vozes-relatos-depoimentos de mulheres-mães, recolhidos pela artista, que, por vezes, são falas completas; por vezes, misturam-se e sobrepõem-se, trazendo a presença do coletivo e estabelecendo um tecido sonoro para a movimentação lenta e persistente do corpo-mãe-exausto de Jocarla.