Pelo eixo domesticidade, questões delicadas e urgentes vêm à tona. São temas como desigualdade entre gêneros, a não divisão do trabalho doméstico, maternidade compulsória, aborto, violência intrafamiliar, feminicídio, perda da independência, a luta diária e cotidiana das mulheres mães.
A invisibilidade da economia do cuidado, o trabalho de manutenção da vida, é um dos principais agravantes na desigualdade de gênero. É um trabalho invisibilizado, infinito, não ou pouco remunerado. Dados levantados pela pesquisa da ONG Think Olga apontam que, em seis meses de amamentação, o tempo investido na atividade nutriz gira em torno de 650 horas.
A pesquisa ainda aponta que as mulheres brasileiras gastam por semana 61 horas dedicadas ao trabalho não remunerado e que, se fossem remuneradas, esse trabalho representaria 11% do nosso PIB. Françoise Vergès (2020) cunha o termo economia do desgaste, para nomear o mecanismo que recai sobre corpos racializados que se dedicam também ao trabalho do cuidado pouco remunerado e precarizado. No Brasil 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha de pobreza. Ainda segundo o IBGE, o Brasil tem cerca de 11,4 milhões de mães solos sendo 7,4 milhões de mulheres negras.
MÃE, 2019 [ mãe, filha, urucum, colar de ossos, bracelete jibóia de cura Huni Kuin, rapé e vassoura de piaçava ] performance | 40 min | com: Nazaré (mãe da artista) | LAVRA 2019, Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica: Ocupação da Praça Tiradentes 30/03/2019 | Rio de Janeiro – RJ | Fotos: Gabriel Vieira
A violência doméstica contra a mulher e o feminicídio são temáticas trabalhadas pelas artistas filha e mãe, Bárbara Milano e Nazaré Soares, na performance Mãe. Em novembro de 2018, Beatriz Nuala Soares Milano, grávida de cinco meses, foi assassinada pelo companheiro. Sob o profundo sentimento de perda, injustiça e tentativa de reconstrução da história sobre a morte de sua irmã, Bárbara e sua mãe Nazaré desenvolvem uma performance-ritual-cura que emblema uma luta por justiça.
A artista Roberta Barros traz à luz questões essenciais à liberdade de decisão sobre nossos próprios corpos, implementação de políticas públicas de planejamento familiar e a legalização do aborto. Na performance Tomar para si, a artista realiza um trabalho laborioso, minucioso e lento, ao tricotar uma barriga grávida sobre seu próprio corpo. A performance acontece na sala de espera de uma maternidade pública, possibilitando a interação da artista com as pacientes. Ao final da performance , usando das agulhas de tricô, objeto que historicamente foi usado como utensilio para a realização de abortos, Roberta desfaz a barriga-tricô-prenhe, deixando pelo chão do hospital os quatro novelos de lã que recheavam a barriga grávida.
Na série Você está morta (2018 – 2021), Malu Teodoro (1986) aborda questões sensíveis, profundas e espinhosas de violência intrafamiliar, em um exercício autobiográfico. As composições imagéticas fotografia-bordado são carregadas de emoção particular de um tempo-espaço específico puerperal, de um recém-nascimento tanto para a filha quanto para a mãe, corpo-mãe-filha emoldurados por uma paisagem de uma casa em construção. Teodoro assume o lugar da violência verbal, emocional e moral como denúncia, reivindicando o cuidado, a saúde moral e mental a que todas as mulheres têm direito.
A Revolução Será Materna e Feminista (2022), da artista brasiliense Marta Mencarini (1982), aponta à (Re)existência. Tem-se que assumir o corpo-mãe-quimera-polvo com seus diversos tentáculos que abarcam funções domésticas, públicas, privadas, manutenção e cuidados, cobranças sociais e pessoais em um exercício diário de transmutar determinismo sociocultural. Gestamos, parimos, adotamos, criamos arte com/sobre junto de nossas filhas e filhos! Fecundamos estratégias, investigamos, organizamos, visibilizamos pesquisas, arquivos, ideias, desejos e metas que alcancem mais mulheres.