Quais sentires-sentidos abarcam o cuidado materno, a manutenção da vida, a rotina e a relação mãe-filhe-mundo?
Enquanto o leite materno se faz fundamental alimento nos primeiros anos de vida de um ser humano mamífero, a amamentação, quando não se dá de forma acompanhada, respeitada e apoiada socialmente, tende a ser repleta de desafios-dilemas, fissuras mamárias, empedramento da mama, falta de leite e muito choro tanto do bebê quanto da mãe. Quais subjetivações permeiam os corpos que aleitam?
Corpo quimera, que embrenha pelas entranhas vida-morte-vida. Corpo-mãe, aconchego-alimento-cansaço-disputa-medo-potência, ambivalente.
Em Fábrica (2020), a fotógrafa Elisa Elsie (1984) traz à tona o aleitamento como trabalho doméstico. Na imagem fotográfica, deparamos com o espaço e o corpo-mãe anulado-escondido por diversos lençóis brancos, fazendo referência também aos paninhos comumente usados na amamentação e que deixam à mostra um fragmento de corpo, os seios, enfatizando a tensão simbólica entre sua função biológica de nutrir e a sua carga erótica.
Ovo de leite (2022), uma pequena escultura, perfeitamente ovalada, que reúne diversas origens-matérias-leite; cabra, ovelha e humana. A artista Cecília Cavalieri (1984) investiga a matéria e sua transmutação. Para a artista, a noção de língua e linguagem pode extrapolar as relações entre seres lactantes, para seres de outras espécies, no que a artista chama de corpos extra mamíferos.
A artista Gabriela Manfredini (1994), em seu vídeo performance Mulher Lenta (2021), busca expor simbolicamente o trabalho do cuidado, associando às roupas estendidas no varal. Pelo enquadramento do vídeo, vemos, lentamente, a artista estender várias roupas, na cor vermelha, uma a uma, amarradas entre si, pela janela do apartamento. O volume de roupas vai acumulando ao passar do dia, lentamente; o trabalho doméstico toma o espaço público.
Mama Cierva (2022) é o nome da escultura da artista uruguaia Cathy Burghi, radicada em Florianópolis. Aqui somos apresentadas a um corpo-mãe-casa que caminha sobre sapatos de saltos altos, tendo seus longos chifres de galhos de árvores, que fortes expandem-se para fora do telhado da casa-corpo-mãe, casa que engole o corpo, corpo que prossegue caminhando.