UM DIA, SEREMOS VISÍVEIS

No princípio, era o verbo; e o verbo, palavra, resistia nas linhas invisíveis que ecoavam em casas a ermo de nossa cidade. No princípio, a inquietação de ser visível fez o verbo, pensamento, se deslocar por espaços vazios, se perdendo na amplidão das coisas cotidianas, e buscando sentido em conversas particulares, em discussões de bar e em trocas olhares.

Ao longo dos 171 anos desde sua fundação, a cidade de Juiz de Fora serviu como solo fértil para o desenvolvimento de um rico ecossistema cultural, constituído por escritores, poetas, pintores, atores, fotógrafos, artistas visuais, e de toda sorte manifestações artísticas e entusiastas da cultura. Daqui, inúmeros agentes culturais se projetaram para a eternidade, gravando seus nomes no panteão da cultura nacional, de Murilo Mendes a Arlindo Daibert, de Nívea Bracher a Pedro Nava.

De todos os expoentes da arte e da cultura que a cidade forjou e das infinitas possibilidades de se falar sobre linguagens e representações, sobre beleza e inquietação, temos o privilégio de acompanhar de perto toda a efervescência cultural de Juiz de Fora pelos últimos três anos. Quando fundei a Trama, no início de 2019, o principal objetivo era criar um lugar onde artistas visuais, músicos, escritores, poetas, trabalhadores da cultura e quem mais pudesse interessar encontrasse um ponto de convergência, a partir do qual suas ideias, experimentações e proposições tivessem como reverberar para além de seu universo particular. Mas a Trama não é só isso.

Além de artistas e pessoas que dedicam suas vidas à causa da cultura, a Trama também é o lugar do homem comum, situando agentes culturais com trajetórias consolidadas e reconhecidas nas mesmas páginas que estudantes, vigilantes, funcionários da limpeza, de supermercados, callcenters, etc… Nossa principal premissa, desde a fundação, foi a de abrir espaço para que as discussões sobre arte e cultura não ficassem restritas ao campo acadêmico. Propusemos (e propomos, ainda hoje) uma mudança de olhar sobre nossas próprias palavras e pensamentos, criando um apelo para que o desejo de partilha se tornasse mais forte que o ego. Dessa forma, construímos um ambiente revolucionariamente democrático ao alcance das mãos.

Sem a pretensão de reivindicar qualquer protagonismo sobre nosso papel ou relevância, hoje, ao chegar em nossa centésima edição, podemos olhar para trás e enumerar algumas conquistas, em meio a tantos desafios. Somos a primeira revista eletrônica de Arte e Cultura da cidade e nos tornamos a maior e a mais longeva da história de Juiz de Fora. No momento em que escrevo esse texto, temos mais de mil contribuições disponíveis para pesquisa em nossa plataforma virtual, gratuitamente. Fomos citados inúmeras vezes em artigos, dissertações de mestrado, teses de doutorado. Temos pessoas de todo o país publicando em na Trama e uma parceria internacional para publicação de artistas e trabalhadores da cultura europeus. Também temos o primeiro podcast sobre arte e cultura da região, com programas semanais, aprofundando as questões levantadas na revista. Por outro lado, sem dúvida alguma, nossa maior conquista foi servir de ponte entre centenas de pessoas que enviaram suas contribuições para serem publicadas em nossas páginas e seus leitores. Nos sentimos profundamente realizados e honrados por ter uma pequena parcela de contribuição nesse ecossistema e esperamos que nossa experiência inspire cada vez mais novas iniciativas semelhantes, semeando o nosso futuro de otimismo e esperança; afinal de contas, como dizia o poeta, “o homem é um ser futuro. Um dia seremos visíveis.”


Frederico Lopes é artista e educador, graduado em artes pela Universidade Federal de Juiz de Fora, especialista em gestão cultural pela FAGOC e profissional de conservação e restauro de papel pelo LACOR/MAMM-UFJF. Atuou no setor de curadoria e expografia do Museu de Arte Murilo Mendes de 2013 a 2017. Integrou a equipe de implementação do Memorial da República Presidente Itamar Franco, onde também trabalhou na curadoria e na coordenação da divisão de educação até 2021. É fundador da Instituição Cultural Bodoque Artes e ofícios (2012), da Revista Trama (2019), do Museu de Artes e Ofícios de Juiz de Fora (2020) e do Laboratório de Criação em Artes Visuais e Design (ARTELAB – 2020). Acredita na Arte e na Cultura como ferramentas fundamentais para transformação do olhar e criação de novas possibilidades de se exercer a vida.


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