UM VISLUMBRE DE TEMPO FUTURO

E na aurora, armados duma ardente paciência, entraremos nas cidades esplêndidas.
– Rimbaud

Se o homem é um ser futuro, cabe perguntar como projetarmos nossos seres para o futuro. E, em consequência, quais vínculos deveríamos instituir (ou desconstruir). No entanto não há resposta para o que seja humano: tudo é inacabado. Se nos projetamos para a frente, lançamo-nos ao desconhecido, pois nem a medida do homem, nem sua estatura têm limites determinados, como afirma Montaigne.

Não obstante, as questões de grande monta são as que nos assaltam cotidianamente. Por isso nossa condição é a de sermos incompletos, predispostos a iludirmo-nos, num constante refazermo-nos. Mas também há aí algo que fica, que nos é próprio. Para isso, educarmo-nos através da arte talvez possa ser bastante útil para vislumbrar o que há de mais visível, mas menos perceptível, em nós. Todavia o que é o visível, além do fato de sermos humanos e, portanto, sujeitos às vicissitudes presentes em nossa natureza? Não estamos condenados, sobretudo, ao desaparecimento? A iminência da morte talvez nos fale mais diretamente dessa coisa chamada a nossa passagem.

Por isso, creio que a manifestação artística se apresenta como algo que nos impulsiona para fora do tempo. Desde o ponto em que marca a nossa estadia, ela se nos transporta para além do mensurável e do cognoscível, para fora, fora de tudo. Do que não se pode falar, deve-se calar. E não se trata de um mero desejo de eternização, de perpetuar a matéria feita de carne e ossos, pois a entrega total ao fazer artístico significa, outrossim, a submissão às limitações do corpo e do tempo, como que num sacrifício de vida em função da realização da obra. Para se amplificar, o homem se submete a esse senhor chamado o tempo. Dessa forma, torna-se, ele mesmo, o próprio tempo.

Paralelamente imagino a obra de um artista como a realização de toda uma coletividade, e então ele se projeta para o futuro. Como se a um se somassem muitos. Mas afora aspectos culturais, fenomenológicos e sociais, há também a expressão de seres humanos em suas intempéries. Por exemplo: a poesia de Rimbaud está embebida (embebedada) em magia, num sol forte e na fuga. A pintura de Van Gogh, imersa no poente dos campos do sul da França, na frustração, na solidão da loucura. Homero está assente na guerra, no amor desmesurado, no furor. Não são sentimentos parecidos com os nossos? Não carregam em si toda a humanidade? E assim ao infinito.

Não penso de que outra maneira nos eternizamos. Da mesma forma da criação artística fica sempre a forte presença do criador. O salto feroz, a fala ao futuro. E não só: chegará o dia em que, irmanados por nossas obras, nos tornaremos mais lúcidos. 

 Entrego-me, por fim, ao pensamento de que a arte transpõe as barreiras de um eu limitado e inerte, e por meio dela o homem se torna esse ser futuro, para o futuro, feito de deslumbre, vislumbre e sonho, feito de desejo. Põe ali aquilo que significa para si mesmo o desdobrar-se em muitos, dialoga com aqueles que virão. Torna-se, portanto, através da arte, um ser visível. E assim se consubstancia em ser do passado, do presente e do futuro.


Paulo Roberto de Almeida é livreiro em construção, fundador da Atena Books.


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