Narrador 

Numa árvore seca, um galho se virou em minha direção. Soluçando de melancolia, homogeneidade expressa por seus caminhos de seiva.  

Era 6 de Setembro, estava frio e chovendo. Chovendo frio, chovendo dor. Cada pingo como agulha ao tocar em minha pele, que cobria meu corpo corrido. Estava correndo pela calçada, quando ela atravessou. E o um farol aceso ultrapassou o tal também farol; e aquela garota, a garota; soprada pelo automóvel se foi ao longe, causando espanto. 

Minha garota. 

~*~ 

Antes éramos nós. E antes do nós, eu estava naquela mesma calçada, andando na direção oposta. 

~*~ 

Era 2 de Fevereiro, o dia estava sorridente, assim como o galho soprado pelo vento qual acendia o sol. Ao longe eu avistava o meu lugar de preferência no que chamamos de mundo das ideias. “Biblioteca Gray Green”, onde os maiores alucinógenos estavam bem ali, à disposição. E eu; ressalto que felizmente, – e logo mais saberão porque – não era o único viciado ali. 

… 

Adentrei-me naquele espaço fúnebre de pensar, espaço qual arrepio causaria à alguns; mas com um bom olhar qual poucos têm, se sabe apreciar o tal pensar que quanto mais fúnebre, mais graça há. 

As paredes de madeira eram companhia das prateleiras, também de madeira; tais faziam meu olhar se apaixonar por suas combinações com as cores velhas e gastas dos livros apagados e coloridos. Mas nem de manso perto, para o que estava por vir. 

… 

Apresentei-me no balcão para a senhora de cabelos amarelados de sempre, que vivia presa em seu casaco de flores azuis e a cada dia sujava uma velha nova folha de papel, com respingos amargos, por apoiar sua xícara de café (com mais líquido dentro do que fora por sinal). 

Ela me olhou e novamente, pediu meu documento – como se não me visse por lá todos os dias. Mas o bom e velho trabalhador nato, gosta de mostrar para si que cumpre seu papel de excelente forma; mesmo que em sua visão, isso seja desprezar a simpatia, ao traçar sua função no automático, numa competição consigo mesmo em saber o quão mais rabugento se pode ser a cada dia. 

Mundo das ideias, me liberte de mim. 

Entretanto, a deveria estar agradecendo. Pois numa pausa em meu pensar, pude notar nestes longos segundos, que pedindo informação no balcão da frente, estava a garota. 

… 

Um simples movimento, de seus dedos tocando a superfície de Hamlet, em cima do tão comum balcão amadeirado; dedos movimentando-se incessantes no mesmo intervalo de tempo; traçando um ritmo incomum que almejei decifrar. Até teria decifrado se não visse aqueles olhos, castanhos muito escuros, deliciosa intensidade que demonstrava um sentimento atípico. 

Rosto ameno, não se queria se fechar mas sem questão de um sorriso abrir. Só estava ali, à procura de Shakespeare, talvez mais uma vítima cansada pela carga que, aqueles que não gostam de Romeu e Julieta, levam.[Quebra da Disposição de Texto] 

-Oi – sussurrei minuciosamente pensando em responder à uma conversa com a garota que sequer aconteceu, senão em minha mente. 

-Disse alguma coisa? – a senhora perguntou enquanto anotava algo, e ao terminar me encarou por cima dos óculos, aguardando a resposta. 

-O que? Não, não. – tento concertar. – Iria dizer que, Lolita – apontei para o livro que estava devolvendo, agora na mesa dela. – É realmente um… espetáculo sem som! Sim, lhe aguça mas causa apatia ao mesmo tempo. – continuava me encarando. Eu limpo a garganta e continuo. – Visto que o que ele pensa não seria tão certo, moral e eticamente falando; sequer as atitudes da própria Lolita… – ela não esboçava uma reação sequer. – A senhora sabe, não é? Que…[Quebra da Disposição de Texto] 

-Discordo. – ouço o sonar mais forte existente em nosso mundo contemporâneo. E sim, era a garota. – Nos é dada apenas a visão do observador, que de nada prova realmente as atitudes do ser observado.

-Então está dizendo que é inerente à todas elas? – por um momento me distraio de que aquilo não fazia parte apenas de pensamentos meus, em que imaginava situações absurdas com trilhas sonoras.

-Estou dizendo. – ela sai do balcão da frente e se aproxima pela lateral. – Que não podemos julgá-la a partir de uma perspectiva talvez doentia, qual seria altamente capaz de nos manipular a todo o tempo, por ter devido controle na história – faz uma pausa tomando o olhar de todos ali, para si. – E assim narrar situações absurdas com trilhas sonoras. – a garota complementa e sorri, não de forma simpática.

Ela parece não ter ficado nada incomodada com os olhares que recebeu, pelo contrário, sai pela lateral oposta como se nada tivesse acontecido. Ou até mais, como se tivesse cumprido um dever.  

E aquela, aquela última frase… Não seria possível ter um ser humano leitor de mentes tão nitidamente assim. Ou eu estaria vivendo dentro de mais um romance intrínseco e completamente necessário (risos), de Stephenie Meyer, em uma dimensão distinta que se tenha existido por fração de segundos dentro da nossa mente talvez… interligada. 

Nosso nós. 

… 

Fico alguns instantes com cara de nada, creio eu. E após um grunhido, percebo que a senhora devolve meu documento, parecendo estar com ele na mão por horas. Me surpreendeu que o indivíduo atrás de mim na fila, não me socou de antemão, mas a graça das bibliotecas está nisso. Ou eu achava que estava. 

Pego o documento, sorrio rapidamente para a senhora no automático, e enquanto saio da fila, caço a tal garota com os olhos apressados. 

É quando a vejo, numa mesinha marrom, acompanhada por uma pilha de livros – quais inclusive eu não fazia a menor ideia de como haviam ido parar ali – e uma luminária verde antiga, como vimos nos filmes de Harry Potter. A garota estava de lado, perna cruzada, vestido preto longo e largo, jaqueta marrom clara e um cachecol azul. Rosto ao mesmo tempo que indecifrável, apático e angelical.  

Com certeza, uma pintura ambulante de Edgar Degas

Me veio de imediato a vontade de amá-la, só por estar ali e ser quem é. Nada clichê de cena, como por defender seus ideais e etc; por mais que seja uma forma linda de demonstrar seu ser. 

Enquanto as possibilidades caminhavam de mãos dadas por mim, percebo que uma criança de mais ou menos sete anos, aparece em sua lateral com um livro colorido e velho. Confesso que se fosse eu em seu lugar, ignoraria completamente a existência daquele pequeno serzinho; porém não a garota.

Porém ela pausou sua leitura, e sutilmente introduziu um marca páginas ao livro antes de fechá-lo lentamente, enquanto em prontidão, se curvava para o lado afim de dar atenção a criança ali. 

Foi quando meus olhos caçadores, notaram que a pilha de livros existente em sua frente, eram coletâneas e demais obras infantis.

Entendido. A criança estava com ela. 

Rapidamente a garota estende os braços e aquele pequeno ser pula em seu colo sorridente, atraindo sorrisos dela também. Bem bonitos por sinal. Logo leem juntos o tal livro engraçado presente novamente ali, por cima do que havia fechado segundos antes. 

… 

Aquele pequeno nós, que existiu por ali e nos demais dias que a observei. As demais conversas que em minha mente ela respondia, e as demais olhadas, diálogos e cores que ela fazia. Em minha mente fiz, quem ela se tornou. Até a própria biblioteca, até o acidente onde o carro sem querer bateu em um passarinho manso. 

Até quando; como ditos e vistos nas obras dos grandes Vladimir Nabokov e Machado de Assis; irão acreditar no narrador? 


Safira Ferreira dos Santos estuda jornalismo e é poeta de berço. Seu primeiro livro autoral, Quem Muito Sente, Sente Muito (2019), foi o que a levou a participar da FLIP 2019 como autora da Helvetia; e por essa mesma editora, lançou seu segundo livro autoral, Ceder Luz À Lucidez (2021). Safira já participou de outras 8 antologias (sendo nacionais e internacionais), com poemas e contos; possui algumas matérias publicadas em sites e jornais, além de seu blog com resenha de livros e filmes, e também escritos nos sites Watpadd e Nyah Fanfiction.  



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