Rememorar o Brasil: A Independência e a construção do Estado – Nação

Ambientação composta por mobiliário oriundo do Palácio de São Cristóvão (Rio de Janeiro), que integra a exposição “Rememorar o Brasil”, em cartaz no Museu Mariano Procópio. Fotografia: Sérgio Augusto Vicente. 

Tendo comemorado, em 2021, cem anos de fundação por Alfredo Ferreira Lage, o Museu Mariano Procópio, a partir de 7 de setembro de 2022, oferece ao público uma nova exposição temporária. Intitulada Rememorar o Brasil: a independência e a construção do Estado-Nação, a narrativa expositiva tem como mote as comemorações do bicentenário da independência brasileira. “Rememorar o Brasil”, como o próprio título informa, convida os públicos a exercitarem o ato de “rememorar”, no sentido de “lembrar de novo”. Contudo, um “lembrar de novo” que não propõe o “resgate” de um acontecimento isolado que se consumou e se congelou no passado. Pelo contrário: a ideia é que a independência seja pensada como um longo processo de e em construção, e não como um acontecimento que se resume ao 7 de setembro, data eleita como marco simbólico e oficial de “fundação de um Estado-Nação independente”. 

Considerando que a independência foi, e é, um processo longo e plural que se estende até os dias atuais, a exposição traça uma narrativa de longa duração, que se propõe a encenar, por meio de peças emblemáticas do museu – que é um dos mais significativos no país acerca da história do Brasil-Império –, a grande e tortuosa travessia histórica do país ao longo de séculos. 

Tão logo se proclamou a independência, coroou-se e sagrou-se o primeiro imperador, o Brasil precisou “costurar”, construir e consolidar um projeto unificador de nação, que estava longe de um consenso pacificador. Optando pela continuidade da forma monárquica de governo nas mãos de um legítimo descendente da Casa Real Portuguesa, que torna o Brasil uma ilha monárquica cercada de repúblicas americanas por todos os lados, muitos desafios seriam enfrentados durante cerca de seis décadas de experiência monárquica. Até que, em 1889, por uma série de razões, a monarquia não resiste e cai. O que não significa que, a partir de então, os desafios seriam menores. 

Com a Proclamação da República em 1889, por meio de um golpe civil-militar, e a assinatura do decreto de banimento dos membros da Família Imperial, o novo regime iniciava seu processo de institucionalização. Uma nova Constituição era promulgada em 1891, reorganizando as estruturas política e jurídica do país, através do regime federativo, da separação entre Igreja e Estado, dentre outras mudanças. 

Em meio aos riscos de restauração da monarquia, a República precisava legitimar-se através da construção de novos símbolos nacionais, processo que envolveu conflitos, rupturas, negociações e permanências. Diversos projetos de bandeira nacional se apresentaram, variando de acordo com os interesses de diferentes grupos políticos. O projeto vitorioso, apesar de apresentar modificações e incorporar o lema positivista “Ordem e Progresso”, manteve elementos da tradição imperial, assim como o hino nacional. 

A partir do início do século XX, a pressão dos que almejavam a restauração da monarquia diminuía gradativamente, bem como as tensões na relação com o passado monárquico. Saudosistas do período imperial engajavam-se no projeto de perpetuação da memória monárquica no país, como Alfredo Ferreira Lage, através da fundação do Museu Mariano Procópio em 1921. 

Uma política conciliatória se fazia ainda mais necessária com a proximidade das comemorações do primeiro Centenário da Independência, em 1922. Essa tendência se traduz na revogação do decreto de banimento da Família Imperial em 1920 e no translado dos restos mortais de D. Pedro II e D. Teresa Cristina em 1921. Nesse mesmo período, a tela “Tiradentes supliciado” – anteriormente rejeitada pelos republicanos à época de sua produção por Pedro Américo (1893) – foi doada pela Câmara Municipal de Juiz de Fora ao Museu Mariano Procópio. A partir do ano de 1922, o eleito “herói republicano” passava a habitar o mesmo espaço de consagração da memória monárquica brasileira. Nesse mesmo ano, no dia 13 de maio, inaugurava-se a Galeria Maria Amália, homenagem prestada por Alfredo Lage à sua mãe, e que teve ainda como homenageado o casal Conde e Condessa d’Eu (Princesa Isabel). 

Tiradentes e D. Pedro II se tornaram “mitos políticos” que conviveram lado a lado no Museu Mariano Procópio: Tiradentes, como um símbolo da república; e D. Pedro II, como um símbolo da monarquia. Ambos, entretanto, representados como pacificadores e capazes de contribuir para o fortalecimento de uma identidade nacional e de um sentido de pertencimento à nação, colocados acima das paixões políticas que dividiam o país. Convivendo, por um determinado tempo, com conflitos entre monarquistas e republicanos, o novo regime precisou, de certo modo, buscar a conciliação política e o acerto de contas com o passado monárquico para encenar as comemorações do primeiro centenário, em 1922. 

Esse discurso unificador da nação, contudo, não encobre nem mesmo resolve os dilemas e mazelas enfrentados pelo país até os dias atuais, em que se comemoram os 200 anos de uma independência política em relação a Portugal. Independência esta que, no sentido mais amplo, está longe de se concretizar – sobretudo quando se trata do fortalecimento da soberania nacional, da proteção e fomento às políticas públicas, dos valores democráticos, da consolidação da cidadania e da conquista de direitos dos mais diversos grupos sociais que formam a sociedade brasileira. Sob o signo de incertezas, indefinições, encruzilhadas, conflitos, conciliações, mudanças, rupturas e permanências, o Brasil, em 2022, encena as comemorações de um novo centenário, mediante um cenário com velhos, novos e múltiplos desafios a serem enfrentados. 

Nessa charge, produzida em 1922, o indígena tem a sua entrada barrada nos festejos do centenário da Independência do Brasil, sob a justificativa de que seriam expostos como “tipos exóticos”. Fonte: Charge de Raul Pederneiras. D. Quixote, Rio de Janeiro, 27/09/1922, p. 13. 
Fotografia de manifestação de povos indígenas, apresentando em destaque a Constituição de 1988. Fotógrafo: Fábio Nascimento. Site do Instituto Socioambiental. 

Priscila da Costa Pinheiro Boscato é graduada e mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professora da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora. Atua como historiadora na Fundação Museu Mariano Procópio, dedicando-se à pesquisa e difusão do acervo arquivístico e bibliográfico da instituição. 

Rosane Carmanini Ferraz é professora de História e historiadora. Trabalha no Museu Mariano Procópio e na Fundação Caed/UFJF. Possui graduação em História, especialização e mestrado em Ciência da Religião (PPCIR/UFJF) e doutorado em História (PPGHIS/UFJF). Dedica-se à pesquisa e difusão do acervo do Museu Mariano Procópio. 

Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias, memórias e acervos arquivístico e bibliográfico do Museu Mariano Procópio. Escritor colaborador e membro do Conselho Editorial da revista Trama Bodoque: Arte, Cultura e Criatividade


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