A avó que eu quis Tê(r) 

Há dias que a necessidade de escrever é imensa, mas a vontade conflita com o que colocar em texto. Esse dia começou com a dificuldade de sentimentos. Há uma dor, mas a dor se converte em sentimentos confusos. Hoje, mais do que discutir a morte e a dor, eu escrevo sobre a vida, os sonhos, os caminhos. 

Minha avó materna morreu quando minha mãe tinha 11 anos. Ela deixou 6 filhos. O mais velho, com cerca de 16, e o mais novo, com menos de 2 anos. Nunca foi fácil. Mas minha família teve um ombro, um espaço, que foi a Tê. 

Eu poderia aqui discorrer sobre a vida dela em muitos aspectos. Uma mulher de feição indígena, nascida em Cataguases, que viveu algum tempo em Juiz de Fora e se mudou para o Rio e viveu por lá por mais de 50 anos. Poderia falar de seus amores, de como criou 3 sobrinhos trabalhando como costureira, cabeleireira, vendedora, e foi abrigo para vários outros que por motivos diversos precisaram viver em sua casa e lá tiveram acolhida. Eu poderia falar sobre seus amigos, sobre a necessidade que sempre teve de unir uma família miserável e conseguir ajudar a todos de formas inimagináveis. Mas eu quero falar de como, ao sair da vida, a Tê deixa um legado que ultrapassa seus amigos e sua família e entra para a história de uma forma inimaginável. 

Mais do que um obituário sobre os sentimentos, eu fico pensando em como ela contribuiu e contribuirá para o mundo se tornar um lugar melhor. E foram as escolhas dela, conscientes. Em 1964, uma mulher ainda jovem, de 32 anos, que trabalhava num hospital que, em meio à situação turbulenta, ajudou a esconder trabalhadores do porto no Rio, que ela nomeava como marítimos. Me contava isso com um orgulho que só aquelas pessoas que salvaram vidas sabem do valor que isso tem. E ela sabia, e sabia que eu sabia e reconhecia o papel que ela cumpriu anonimamente, sem uma foto, sem uma filiação, sem, inclusive, poder se comprometer de outra forma que não essa: salvar vidas!  

Mas décadas depois, quando o país salta para o abismo, que a ciência, o conhecimento, as vacinas são negadas, ela define que, ao morrer, seu corpo deveria ter uma função muito maior que a degeneração natural ou a cremação. Seu último desejo, em meio a todo o caos, foi dedicar sua morte à vida, doando seu corpo para a pesquisa científica, definindo com a UFJF a entrega dele logo depois da morte para que o mundo tivesse condições de continuar estudando. 

Não pretendo aqui convencer ninguém, contar com a aprovação ou reprovação de seu ato. Cada um imagina como deve ser sua morte. O que me importa, especialmente, é alguém pensar que a vida que teve, o corpo que teve, e como poderia contribuir para que o mundo pudesse se tornar um lugar melhor. 

Em meio à saudade, à dor, à falta, o que eu penso é que todo mundo pode contribuir para que o mundo se torne um lugar melhor. E esta mulher, que partiu aos 90 anos, foi capaz de fazer esse papel. E eu tenho um orgulho imenso de ter tido ela como um exemplo do que se pode fazer na vida. O que a vida quis dela foi coragem. E ela teve, na vida e na morte! Vá em paz, Tê. Eu tenho muito o que contar sobre você. Você se eternizou em tudo o que de maravilhoso fez em sua vida e em sua morte. Ficarei daqui com saudades e com o orgulho e cumplicidade que sempre tivemos. 


Meu nome é Jussaramar da Silva. Sou de Juiz de Fora, graduada em História, mestre e doutora em História Social pela PUC/SP. Atualmente sou pós-doutoranda da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, desenvolvendo pesquisa sobre os trabalhadores da Itaipu Binacional. Sou pesquisadora do Projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura” numa parceria entre o Centro de Arqueologia e Antropologia Forense da UNIFESP e o MPF, atuando na pesquisa sobre a Usina de Itaipu. Sou professora de História na Educação de Jovens e Adultos no Centro de Educação de Jovens e Adultos Doutor Geraldo Moutinho (CEM) da Prefeitura de Juiz de Fora. 


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