Depois de muito tempo recluso, por ocasião da pandemia, tenho me desafiado a perlustrar as ruas da cidade. As caminhadas se mostram como uma trilha perfeita para que o pensamento encontre, em movimento, seus próprios caminhos e destinos.
Tenho percorrido grandes distâncias. Caminho a pé onde os meus pés puderem me levar, e nessas andanças certo dia reparei que muitas das ruas em que andava eram caminhos usuais de um Fred do passado. Foi aí que tentei resgatar a memória dos diversos momentos em que tais trajetos eram a rota diária de meus afazeres. Fiquei estarrecido de não conseguir encontrar de maneira objetiva tais lembranças. Veja bem, não é como se eu não soubesse do ocorrido, sobretudo dada a frequência de passagem por tais ruas, é como se as memórias desse tempo tivessem se tornado mera informação. Tive a clara impressão de que eu possuía o conhecimento do trajeto percorrido, especialmente no que diz respeito à frequência e importância de sua utilização, mas eu não possuo mais essas lembranças, eu simplesmente não consigo criar caminhos mentais capazes de recuperar as imagens e sensações de passar por esses lugares.
Nesse momento me pareceu ocorrer uma epifania sobre o que não pode ser imaginado: a mente é hábil e veloz e o pensamento possui adjetivos que não sou capaz de alcançar. Enquanto eu caminhava pelos meus pensamentos, é como se minhas lembranças se escondessem em ruínas das inúmeras vivências que tive, dos amores que conquistei, das emergências efêmeras do dia-a-dia, das risadas compartilhadas e das lágrimas escondidas, é como se a memória se apresentasse como um filho pródigo, e recolhesse minhas posses em nome do esquecimento. Assim me parece o que não pode ser imaginado: um território fértil sem mapa, um caminho esquecido entre os dentes de quem fui, do qual compartilhamos fisicamente os mesmos espaços, entretanto, em tempos diferentes.
Frederico Lopes é artista, curador e educador, graduado em artes pela Universidade Federal de Juiz de Fora, especialista em gestão cultural pela FAGOC. Atuou no setor de curadoria e expografia do Museu de Arte Murilo Mendes de 2013 a 2017. Integrou a equipe de implementação do Memorial da República Presidente Itamar Franco, onde também trabalhou na curadoria e na coordenação da divisão de educação até 2021. É fundador da Instituição Cultural Bodoque Artes e ofícios (2012), da Revista Trama (2019), do Museu de Artes e Ofícios de Juiz de Fora (2020) e do Laboratório de Criação em Artes Visuais e Design (ARTELAB – 2020). É membro do Conselho Curador do Memorial da República Presidente Itamar Franco e foi suplente da vice-presidência do Conselho Municipal de cultura na cadeira de artes visuais. Também atuou como designer na editora Harper Collins. É autor do livro: Ensaios sobre Arte e Cultura (2022) e organizador do livro A Linguagem das Artes: processos de criação e escolhas estéticas.
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Não sei se esse comentário vai ser alocado corretamente ou vai ficar solto no site, então, é sobre o texto “O que não pode ser imaginado”.
Muito bom o texto. Achei incrível o quão real é a ideia de que por vezes temos a informação de algo mas não a lembrança. É como tentar descrever um quadro inteiro com uma pequena frase, que faz todo o sentido para a gente, mas que não cobre a infinitude de detalhes do mesmo.
Lembro que um dia li uma corrente científica que se baseava na idéia de que toda vez que acessamos uma memória, modificamos ela de alguma forma (exatamente para completar essas lacunas de detalhes que nos fogem). Sendo assim, quanto mais voltamos ao passado, mais modificamos ele…