E se eu for parar na lata do lixo?

Aparentemente eu tenho talento para a pintura. As pessoas costumam elogiar o meu trabalho, mas ninguém costuma se interessar por comprar um dos meus quadros. Alguns querem que eu pinte algo que eles querem ver pintado, seja uma paisagem ou um retrato, mas geralmente isso não me interessa e é um completo desastre quando tento fazer algo sob encomenda. Por isso, tenho vivido em desalinho, perdida entre aquilo que eu quero pintar e aquilo que me parece que as pessoas querem comprar para colocar na parede de suas casas. Acabo por não fazer bem nem uma coisa, nem a outra.  

Do lugar de onde eu vim, pintores só fazem sucesso depois de mortos. Ninguém faz ideia de quem seja Gerhard Richter ou Jenny Saville, mas citam a trágica história de Van Gogh – que não vendeu um quadro em vida –  como regra. É anacrônico, eu sei. Mas uma mentira contada muitas vezes, tem grande potencial de se tornar uma verdade… Deus me proteja das mentiras ouvidas quando criança e me dê dinheiro para custear as tantas sessões de terapia necessárias para solucionar o problema. 

Pois é, Deus me dê dinheiro. Por via de regra, não consigo pensar em outra coisa diante de uma tela em branco, talvez seja por isso que nos últimos tempos o que me faz dar uma pintura por acabada é quando desisto de continuar, pois concluo que ninguém vai querer comprar aquilo: falhei novamente.

Fui criada para me levar bastante a sério, deveria estudar para ter um “doutora” antes do nome. Mas eu que já estudava artes, parecia ter decepcionado a todos que esperavam algo de mim, então, por que não me expor ao ridículo completo e chamar isso de trabalho? Decidi ser palhaça de rua. Dinheiro, pra que? Eu quero é ser feliz! Fiz poucas apresentações, três para ser bem exata. Me diverti, até ganhei uns trocados, fazia planos de continuar e, como diria Rita Lee, são nesses momentos em que tudo parece resolvido que Deus costuma nos olhar e dar uma risadinha sarcástica. Obviamente, a vida virou de cabeça para baixo. Ser feliz pra que? Eu preciso de dinheiro, inclusive, você conhece algum colecionador interessado em investir em novos talentos? Eu não. E você já tentou vender pinturas para pessoas que não se interessam muito por arte e só querem algo para enfeitar suas casas até elas redecorarem e jogar o que estava na parede no lixo? 

Falei com a minha terapeuta, sobre o meu terror de não ser boa o suficiente sequer para produzir um quadro digno de ir parar na lata do lixo de alguém em sua próxima reforma, e falando sobre quando ganhar dinheiro não era uma preocupação, me lembrei dos tempos de palhaça. Contei da apresentação em que minha amiga, que fazia dupla comigo nas apresentações e era minha mestra da palhaçaria, abrimos uma roda para nos apresentarmos no meio de uma rua movimentada no centro da cidade.  Lá pelas tantas, o público que nos assistia ali, ridículas, no bom sentido, é claro, se deslocou e não sei como explicar, minha dupla terminou estirada no chão, trágica e teatralmente atropelada pela caçamba de lixo dos garis que faziam a manutenção da via pública. Sem ter muito o que fazer, no improviso, pedi para que eles abrissem a caçamba que graças a Deus estava limpa e vazia, e ela se jogou lá dentro para completo deleite dos transeuntes que nos assistiam. A apresentação foi um sucesso! Mas eu, duvidando da minha capacidade física e sem me dar conta de quem era, por medo de me tornar mais ridícula e não ser boa o suficiente para entrar na lata de lixo, me privei de viver plenamente esse final apoteótico e não entrei junto com ela na caçamba. 

Minha terapeuta, lacaniana, com essa estória, encerrou a sessão: hoje ficamos por aqui?

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Ada Medeiros é artista visual, graduada no Bacharelado em Artes e Design. Sua pesquisa contempla experimentações mais frequentes em pintura à óleo e aquarelas, desenho e fotografia, porém, por vezes, transita pela escrita e o audiovisual. Investiga a existência através das visualidades, numa busca obsessiva por atentar-se para a finitude da vida e a fragilidade do ser.


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