Pensar com as mãos 

Resumo  

Este artigo centra-se em experiências sensoriais que se reflectem no fazer artístico, proposto como ‘diálogo matérico’ a partir da consideração de Henri Bergson. 

Nesta proposta de investigação, é analisada a obra do filósofo Henri Bergson, particularmente Matéria e memória em que o autor relaciona, a “lembrança pura” com a experiencia sensorial do fazer. Esta proposta de análise serve-se comparativamente da obra artística do autor deste artigo com referência ao trabalho de outros artistas que, por diferentes razões, achamos oportuno considerar. Nesta proposta de análise a experiência é motivo metodológico para o confronto pessoal e disciplinar que o autor estabelece pelo fazer com questões que foram e são interpretadas por outros artistas. Assim, para além da experiência pessoal é analisada a ‘adversidade’ como processo, no trabalho de Giacometti, a ‘persistência’ da sobreposição, no trabalho de Katherina Grosse e a ‘reconfiguração’ do espaço, em Franz Ackermann e Jim Lambie. 

Assim o que se pretende discutir é a relação entre a memória do fazer e a suscetibilidade pessoal deste diálogo. Em que o pensar passa a ser sensorial, nasce do diálogo com a matéria no decorrer do fazer e que se torna objecto físico, na forma de obra de arte. 

Palavras-chave: focar, erro, suspensão, matéria, espaço.

1. Introdução 

Genericamente, o que é aqui discutido é a capacidade de diálogo com a matéria, em que a experimentação plástica, se torna numa comunicação com os diferentes materiais de trabalho. A plasticidade como idioma/s, cada matéria tem diferentes particularidades e assim diferentes reações. Para comunicar linguisticamente é necessário ter conhecimento da gramática, fonética e de todos os aspetos linguísticos dessa língua. Com a matéria plástica, a diferença é que esta não é uma linguagem estanque. Comparativamente ao exemplo dado, para haver um diálogo matérico há que ter um conhecimento com base na experimentação e domínio técnico proveniente dessa mesma experiência. Assim, importa salientar como é que a matéria dialoga connosco. Não se trata de uma metodologia fechada, mas de focar a nossa atenção à ténue ‘voz matérica’. Por exemplo, ao ser usada uma ferramenta que não é a indicada para certa função, no diálogo com a matéria, esta terá uma voz mais presente. Ou seja, se usar no trabalho em gesso uma ferramenta de pedra, a matéria irá sempre revelar a sua fragilidade mediante este diálogo agressivo. Por outro lado, se for usado um pincel a matéria irá apresentar a sua resistência, mas usando uma lima para as unhas já poderá ser exercida uma ‘voz’ pessoal mais presente. Nas três ferramentas nenhuma é especializada para o trabalho de gesso, no entanto não há uma imposição de certo ou errado. Com isto será possível concluir que o tipo de linguagem com a matéria é extremamente ambígua e variável, é como se as letras fossem ferramentas, no entanto podem ser usadas de forma livre, não se prendem a regras gramaticais. “O reconhecimento de um objecto presente se faz por movimentos quando procede do objecto, por representações quando emana do sujeito.” (Bergson, 2006, p. 60). Mas sempre compostas através de uma acumulação de experiências, assim, com o apurar dos sentidos, ouvimos estas vozes matéricas cada vez mais nítidas até que nos tornamos mais suscetíveis à sua presença.  

2. Diálogo com a matéria 

What is important now is to recover our senses…our task is not to find the maximum content is a  work of art, much less to sequeeze more content out of the work that it already has…the aim of all  commentary on art now should be to make the work of art, and by analogy our own experience, more  rather than less to us…to show what it is rather than what it means. (Sontag in Capon, Art Gallery  NSW, 2006, p.13). 

As recordações mais claras são muitas vezes cheiros, texturas e sons mantidas, desde sempre, com uma forte ligação com o fazer. Um fazer pelo prazer de fazer, trata-se no fundo de sentir o mundo. O dialogo que aqui é descrito, é comparável ao acto de respirar. Mais que uma necessidade física é uma libertação. Á semelhança do referido por Mircea Eliade, ”(…) a experiência do espaço sagrado torna possível a <<fundação do mundo>>: lá onde o sagrado se manifesta no espaço, o real descobre-se, o Mundo vem à existência.” (Eliade, 1982, p.75).  

Como seres únicos temos também diferentes modos de interpretar a realidade, originando diferentes linguagens. Mas é a ânsia de liberdade que faz com que por exemplo, as palavras se tornem poesia. A voz das acções sobre a matéria é ecoada por cada acção. Isto é, segundo Herni Bergson, uma “lembrança pura”, cada vez que executamos determinada acção ela tem presente mecanicamente todas as acções anteriores . ”(…), nossa memória solidifica em qualidades sensíveis o ecoamento continuo das coisas. Ela prolonga o passado no presente,(…)” (Bergson, 2006, p.173) Não se trata de uma simples questão sensorial, mas de uma memória do fazer que não se rege por imagens, mas pelo sentir.  

A maioria dos psicólogos, ao contrário, vê na lembrança pura apenas uma percepção mais fraca, um conjunto de sensações nascentes. Tendo apagado assim, de antemão, toda diferença de natureza entre a sensação e a lembrança e a idealizar a sensação. Ao examinar a lembrança só a percebem sob a forma de imagem, isto é, já encarnada em sensações nascentes. Transportando para ela o essencial da sensação, e não querendo ver, na idealidade dessa lembrança, algo de distinto, que se destaca da própria sensação. (Bergson, 2006, p.115).  

O erro não é mais que um modo de ligação com a realidade, que não é possível controlar. Dá-nos a capacidade de prevenção, interpretar a realidade aprendendo com ela. Mas mais que tudo é o que permite um dialogo matérico, é no fundo a voz da matéria. “Esse carácter misto de nossa percepção imediata, essa aparência de contradição realizada, é a principal razão teórica que temos para crer num mundo exterior (…)” (Bergson, 2006, p.168) 

O que aqui é entendido por erro é uma chamada à realidade, somos forcados à sua presença. Quando o computador dá um erro e deixa de funcionar, sentimos uma frustração devido á perca de controlo. No diálogo matérico a existência de um erro permite à matéria por vontade própria contrapor o sentido em que essa conversa fluía. Se não impusesse a sua presença, seria apenas um monólogo. 

É mais que um simples modo de aprendizagem, trata-se de uma forma de comunicação, uma interacção entre homem, em permanente busca, e terra/mundo em constante mudança. Daí o erro se relacionar com o modo de comunicação com a realidade. Não se trata de algo planeado, é algo que se relaciona com a libertação através de uma acção, tornando-se num acto comunicativo. Quando me refiro a comunicação não estou a falar de ícones, frases, ou sequer conceitos, mas a um modo de nos ligarmos ao real.  

Quando há diálogo matérico ou algo que tem uma presença muito forte como o acontecimento de um fenómeno, somos absorvidos pela sua presença. Entramos num espaço e tempo nulo, em que nos encontramos em absoluta solidão, focando a nossa atenção em algo que nos sensibiliza, conectando homem e realidade, aquilo que chamo de suspensão.  

É um momento de estagnação temporal em que a realidade submete os nossos sentidos a um momento único de prazer sensorial, que por sua vez nos remete à memória do sentir (“lembrança pura” segundo H.B.). É no fundo um momento sagrado que conecta o íntimo do nosso ser com o íntimo do que nos circunscreve, é uma evidência desta sublime e ténue ligação que se torna intransponível em palavras. ”(…) incapacidade humana de exprimir o ganz andere: a linguagem apenas pode sugerir tudo o que ultrapassa a experiência natural do homem mediante termos tirados desta mesma experiência natural.” (Eliade, 1982, p.24).  

O conhecimento/linguagem é relativo e pessoal, assim torna-se imperativo esclarecer com exemplos baseados na experimentação. 

A lembrança espontânea é imediatamente perfeita; o tempo não poderá acrescentar nada à sua  imagem sem desnaturá-la; ela conservará para a memória o seu lugar e a sua data. Ao contrário, a lembrança aprendida sairá do tempo à medida que a lição for melhor sabida; tornar-se-á cada vez  mais impessoal (…). (Bergson, 2006, p.168) 

1. Margaça, desenho de Luz, 2018, desenho sobre pelicula, 2,40 X 1,60 , NuN, Berlin 

2.1. Desmistificação da função da matéria 

A mudança para Berlim tinha como objetivo aprender a revelar película super8. Iniciado o estágio, as duas primeiras coisas a aprender era de que a película tinha de estar imaculada e sem riscos e que a cor tinha de corresponder aos standards da kodak, fugi, etc,… Quando o chefe acrescentou que o filme nunca deveria ter riscos a vontade de experimentar rasurá-lo aumentou. Assim sendo a primeira coisa que fiz, quando tive oportunidade, foi riscar a película e alterar a cor através de químicos. 

Neste caso, em concreto, foi usada a película como, se uma folha de papel se tratasse e assim dando início a uma série de trabalhos de desenho que ainda desenvolvo. O que é relevante aqui, é usar uma matéria que não é especifica nem própria para o desenho. Assim a riqueza destes trabalhos vem de uma recontextualização da função da matéria, isto torna este diálogo matérico mais rico e com uma voz mais presente. “Se a esquizofrenia é o universal, o grande artista é então aquele que salta o muro esquizofrénico e atinge a prática desconhecida, onde já não pertence a nenhum tempo, a nenhum meio, a nenhuma escola.” (Deleuze, Guattari, 1977,p.57). É importante referir que não se procura o erro, pois isso seria um contrassenso. Contudo é inegável que ao experimentar a matéria de forma livre há uma maior probabilidade de isso acontecer, principalmente no inicio dessas mesmas experimentações. Há desvio do padrão, ou pelo menos o sair da norma, em busca do diálogo com a matéria. Trata-se de questionar a norma através do fazer, tendo consciência de que é impossível ter um controle absoluto da realidade. “(…) a need to express what defies expression, they found the strength to sustain that need in the ironic authority derived from a mortifying acknowledgement of failure.” (Capon in, Art Gallery NSW, 2006 p. 12 ) 

2. Margaça, sem titulo , 2020, escultura em pedra, dimensões variáveis, Montes de Azurva 

2. 2. Dureza e adversidade_ relação com o tempo  

O trabalho de pedra, depara-se com a dificuldade física e também com uma espécie de hipnotismo, que determina a duração de cada diálogo. Isto acontece com madeira, gesso, película, aço, papel, etc…, obviamente através de camadas, com sensibilidades diferentes que caracterizam cada matéria. Trata-se de uma adversidade pelas suas características matéricas, mas também de como essas mesmas características influenciam a durabilidade de cada acção e como isso se relaciona com o trabalho. No entanto o tempo de duração não é determinado pela matéria, contudo, influencia a duração do diálogo.  

A pedra tem por si um tempo próprio (tal como todas as outras matérias) há diálogos que tendem a prolongar-se – anos a fio –, assim importa perguntar quando é que termina o dialogo, será que tem fim? Como qualquer conversa, por muito interessante que seja, tem sempre um momento de estagnação, por cansaço ou falta de interesse, contudo pode sempre ser continuada. O mesmo se passa com o diálogo matérico, contudo há outras variantes, que não matéricas, que limitam o diálogo e por vezes até o forçam a ter fim. Quando, por exemplo, se tem um período limitado para trabalhar, ou quando se vende um trabalho que poderia ter continuado. O trabalho tem o seu percurso próprio, é determinado por ele mesmo, há sempre um modo em que se poderia prolongar, mas não nos podemos deixar adormecer pela neblina do controlo. 

A voz própria que a pedra tem, incute um cuidado próprio, provoca um diálogo muito presente e normalmente de longa duração. Exerce uma limitação ao que se pode fazer, tem em si um modo de dialogar único conferido pelos seus veios, que no fundo revelam a sua personalidade mediante a conversa táctil. Mas no fundo a adversidade é sempre incutida por nós próprios, é levada pela sede de diálogo matérico, são os nossos movimentos em contacto com o que nos rodeia que o originam, sendo de duração imprevisível e volátil. 

3. Giacometti, Tall Figurine, 1947 4. Giacometti, working in his studio, bronze,167 x19,5×41,  Maeght Foundation 

Como refere James Lord, a propósito de da obra de Alberto Giacometti, referindo-se a um prefácio dos escritos de Wittgenstein, publicados em Philosophical Investigations, em que o filósofo diz acerca das suas ideias, ”eu as tornei públicas com sentimento de dúvida.”, James estabelece a proximidade como aquilo que ele interpreta acerca da obra de Giacometti como “um sentimento que Alberto Giacometti bem poderia ter expressado a sua busca eterna pela realidade, nunca suficientemente percebido; uma verdade pela qual ele se esforçou, mas nunca pode consumar totalmente. Desejá-lo-ia, realmente? Como ele disse, “a satisfação é inimiga do artista.” (Lord in Art Gallery NSW, 2006, p.17). 

Há um diálogo matérico muito presente no trabalho de Giacometti, onde a “lembrança pura” de H. Bergson, chega a ser obsessiva. Mais que questões técnicas, era a vontade de diálogo com a matéria que o levava a trabalhar exaustivamente, o barro húmido, originado uma conversa fluida e interminável. Digo aqui barro húmido, porque do lado da matéria estava uma voz, completamente moldável, aberta a absorver eternamente novas configurações (desde que húmido). 

A força do seu trabalho, para além do que está lá fisicamente representado, é mais que uma representação de frágeis figuras humanas, todos os gestos executados, por ele, estão perpetuados na matéria. ”That is to say, the act of drawing, painting or sculpting was a means of afirming his right relation to the incomprehensible condition of existence.” (Lord in Art Gallery NSW,2006, p.18)

5. Margaça, propagação, 2008, técnica mista, dimensões variáveis, ESAD Caldas da Rainha 

2. 3. Persistência e delimitação_ mutação permanente 

A adversidade é essencial, para compreender a persistência, sem ela perderia todo o seu significado. São estas duas palavras indissociáveis do fazer, que representam o permanente desafio que existe  entre o escultor e a matéria. 

Tratando-se de descrever a minha experiência pessoal, o que realizei como trabalho de final de  curso, foi uma instalação com musgo arroz e madeira. Com este objectivo, fiz um retiro no Gerês  por duas semanas, em que a recolha de musgo e vários testes poderiam prever o modo como o  musgo se iria comportar. Sendo esta matéria viva, de pouca adversidade a nível do manuseamento,  concentrei-me na parte em madeira, cujas características físicas, me levavam a crer, que precisaria  de mais persistência. 

Tendo a peça em madeira pronta, não seria uma instalação de difícil execução. No entanto, as  propriedades do musgo, revelaram ser adversas à instalação. Quando, por fim, coloquei a peça em  madeira no espaço destinado à instalação era altura de desenhar com a pasta que eventualmente  cresceria. Para meu pânico, a adversidade manifestou-se: sempre que colocava na parede um pouco  de pasta, passado uns momentos, ela caia, assim sucessivamente. Durante quatro dias estabeleceu-se um dialogo teimoso. Este tipo de acção repetiu-se vezes sem conta, até que por fim, onde se  revelava mais persistência matérica, as manchas maiores começaram a sedimentar. Assim o  percurso do desenho foi direcionado por estas acções de repetição. 

Embora tenha delimitado o espaço em que as figuras iriam estar, o próprio musgo ao crescer  transpôs essa mesma delimitação tendo no final a sua própria ‘voz’. Dez anos depois ao passar pelo  mesmo sitio ainda se encontram vestígios deste trabalho.

Na relação aqui estabelecida com o trabalho de Giacometti, o que importa acentuar é a sua  metodologia de trabalho. A persistência e o isolamento reflectem-se na sua necessidade do fazer e  experiênciar a matéria, sentir o mundo à sua maneira. No seu caso, o barro tendia a sofrer uma  mutação dependente da sua perseverança no fazer, era comparado a um castigo, contudo um castigo libertador. As suas esculturas e desenhos são o meio de preservar essas acções. 

It’s forced labour”, he often said, and that was the truth. But we must understand that the force came from him, while the labour was his very raison d’etre. The studio in the rue Hippolyte Maindron was the cell in wich this condemned man worked with joy to demonstrate that complete creative freedom can provide amazement and delight in a world from which he has long since departed. (Lord, in Art Gallery NSW , 2006, p.17)  

6. Grosse. Resíduo sagrado, 2006, Acrílico sobre parede, chão e tela, Dimensões variáveis, Appel Foundation,  Amesterdão 

Outro exemplo é o de Katharina Grosse, particularmente na peca Holy residue, Appel Foudation,  Amesterdão, 2006 em que ela trabalha o espaço através de camadas de acrílico sobre o chão, parede e tela. O seu processo baseia-se na persistência, de sobrepor camadas sobre camadas de cores, até  chegar um resultado que cria uma ambiência única. Aqui é o espaço que se torna matéria, pois esta  accao é feita directamente no espaço, tornando-se impossível transladar a obra para outra  localização. “Cobrir as coisas com cor: talvez seja esta a melhor forma de descrever o trabalho de  Katharina Grosse.” (Chassey in Sardo, 2002 p.130).

7. Margaça, propagação, 2007, tinta da china sobre espaço, dimensões variáveis, Jorge shirley Lisboa 

2.4. Susceptibilidade e reconfiguração_ no espaço circundante  

O espaço, neste trabalho, impõe a sua presença, assim a matéria é o espaço, tanto quanto a tinta  usada para a sua reconfiguração. Neste caso, é uma conversa de adaptação invasiva, contrastando  com as estruturas base do espaço, tentando salientar formas orgânicas, procurando ganhar vida  própria e assim ganha protagonismo mediante o seu lugar.  

O que difere em relação a outros diálogos matéricos, é que aqui o espaço é estanque, imponente,  aparentemente imutável. Assim, a pintura brota de linhas rígidas e austeras, a irregularidade das  formas tornam-se uma das chaves para contrapor o próprio espaço. Mas mais que isso há um  chamamento do próprio espaço, basta ouvir com os olhos.  

O trabalho surge como uma obra que sobressaí do seu contexto envolvente, acontece por  propagação, expande-se e torna-se intrínseca ao espaço circundante. Trata-se de uma acção em que  a essência reside na susceptibilidade, em relação ao espaço, para receber/acolher uma  reconfiguração

Assim, a intervenção além de se envolver com os habitats tem uma linguagem própria, onde o  irregular e o artificial se tornam num diálogo meatafísico do fazer. Isto é estar susceptível e mais  que tudo estar aberto a uma conexão com o que nos circunscreve.

8. Ackermann, Não poderia haver aqui uma mangueira ou coisa assim, 2002, óleo sobre tela, madeira, parede, vídeo, fotografia, mapa mental, Mai 36, Zurique  

Também, Franz Ackermann e Jim Lambie, trabalham o espaço arquitectónico através da pintura/instalação. Há uma divisão clara entre estes dois autores, F.A. tem uma relação pictórica mais próxima com o trabalho e com a linguagem de “mapas mentais” em que o espaço alterado não se relaciona com o espaço de origem, aliás até cria uma estranheza onde o bidimensional irrompe no espaço, assumindo a sua presença,interagindo com o tridimensional. “Tomando forma de desenhos portáteis, estas meditações de influencia situacionista abordam tanto as estruturas físicas da localização como o contexto político e cultural do local.” (Molon in Sardo, 2002, p.16)  

9. e 10. Lambie, Verniz Preto, 2000, fita vinil sobre chão, dimensões variáveis, Kern, Nova Iorque 

Por outro lado, o trabalho de J. L., tem uma relação espacial de manipulação através da percepção espacial em que ele altera as linhas do espaço, criando um outro espaço através das suas instalações com fita-cola, onde a ilusão óptica se relaciona e joga com o espaço. “Quer vivamente colorida, quer composta por variações em preto e branco, a fita descreve o contorno da sala, sublinhando e intensificando as idiossincrasias do meio arquitectónico.” (Lambie in Sardo, 2001, p. 108) Contudo essa estranheza também se demarca, precisamente por se relacionar com o espaço e fazer parte dele. Quando se expõe uma obra, o espaço é sempre alterado, com ou sem intenção, neste caso a obra é o próprio espaço.

3. Considerações finais 

No trabalho artístico, aqui considerado, o que realmente interessa reconhecer é a forma de sentir o mundo e fazer com que os outros o sintam. As obras/trabalho artístico, são realidades construídas, mas tem como objectivo primordial uma força que as leve a sentir o que as circunscreve. Sem intenção de impor o que sentir, mas de considerar a possibilidade da experiência de sentir, prestando atenção às pequenas “suspensões”, que por vezes passam despercebidas.  

A análise aqui proposta procura validar a existência de um diálogo através da matéria em que esta estabelece uma relação entre a adversidade, a conexão com a realidade e o espaço inerente à produção de obra artística. 

Assim é comparado o fazer impulsivo e persistente de Giacometti com o fazer por camadas de Katherina Grosse. O modo como a matéria, se relaciona com o fazer em que por um lado temos o barro moldável de um refazer exaustivo; com um fazer, em que as camadas dialogam com o espaço através da matéria. 

No caso de Lambie, Ackermann e Grosse, o espaço é considerado como matéria, porque é parte inerente desse mesmo diálogo.  

Assim o pensar com as mãos relaciona a “lembrança pura”, como um meio de ligação com a matéria. Concluir-se-á que a variação do comportamento da matéria é definido pela pessoa que a trabalha, então é um diálogo disperso e íntimo em simultâneo. Disperso porque é variável e intransponível ao outro. Íntimo porque só pertence a si e às suas sensações, onde se reflecte o Ser e a matéria através da acção. 

Defende-se um pensar sensorial, em que a acção sobre o que nos circunscreve permite um pensamento realizado que se espelha nas mais variadas formas, sempre dependentes das suas características físicas. 

O pensar com as mãos é no fundo um diálogo que permite um olhar, que não vê. É ver o que não pode ser visto, mas sentido. 

Nota: 

Todas as referencias bibliográficas foram feitas através de livros físicos, além de ser um artigo sobre o “pensar com as mãos” é também testemunho do meu processo de trabalho.  

É também relevante que o processo de escrita foi sempre acompanhado pelo fazer matérico. Ouve avanços significativos em termos de metodologia de trabalho e compreensão que se espelha nos trabalhos em desenvolvimento. 

Bibliografia: 

Art Gallery NSW (ed.). (2006). Giacometti; Sculptures, Prints & Drawings. The Maeght Foundation  

Bergson, H. (2006). Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Martins Fontes (1ª ed. Matière et Mémoire,1939)  Eliade, M. (1982). O Sagrado e O Profano. A esseêcia das religiões. Livros do Brazil Deleuze, G., Guattari, F. (1977). O Anti-Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia. Assírio & Alvim  Sardo, D. (ed.). (2006). Pintura Redux. Desenvolvimentos da última década. Publico/Serralves

 


Tiago Margaça natural de Aveiro (Portugal), é musico e artista plástico que trabalha vários media, desde materiais tradicionais como pedra, cerâmica, madeira; a materiais menos convencionais como, filme analógico, arduino, musgo, e tudo o que ache conveniente para se exprimir. 

Depois de fazer parte de várias bandas, em 2007 funda Musgos, um projecto que cruza a música e vídeo. A partir do seu baixo e em parceria com Miguel Sampaio na bateria, criam paisagens dissonantes e arritmias sonoras, que se articulam com visuais analógicos. 

Licenciado em escultura na ESAD (Caldas da Rainha), ganha o Prémio de pintura Ariane de Rothschild 2007, posteriormente vai para Londres, onde é artista residente na Slade School of Arts por meio ano. Após várias exposições na área da instalação e escultura, parte para Berlim, com o objectivo de aprender a revelar película analógica. Trabalha 8 anos no laboratório ANDEC e especializa-se na revelação de super8,  16mm e 35mm. 

Aproximadamente à quatro anos regressa a Aveiro, recentemente terminou o mestrado em “Criação  artística contemporânea“ na U.A.  

Durante este período, foi artista residente por duas vezes na Bienal de Coruche, autor de uma escultura, para o simpósio em pedra de Rio Maior e duas instalações e uma escultura para o município de Aveiro.  Os vários materiais e a exploração dos mesmos são a força motriz do seu trabalho, para ele o erro é uma forma de diálogo, entre autor e a fluidez do circunscrito. 

Actualmente desenvolve trabalho no conservatório de musica e dança Calouste Gulbenkian de Aveiro na  associação ACAV. 

https://musgosband.com/

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