Os seus olhos já tinham visto de tudo na vida, mas nada do que viram ressoou belo. Lhe aprazia a violência, a mentira e o calor do ódio. Embora não conhecesse a felicidade na prática, o prazer do mal lhe aquecia nas veias. Isso era o mais próximo de ser feliz que conhecia.
Quando criança, pegava formigas e outros insetos, ainda vivos, e arrancava-lhes as patas e as antenas uma a uma. Atirava pedras em cães de rua e ateava fogo nas correspondências dos vizinhos. O olhar desesperado da mãe que lhe implorava respeito não parecia com nada que não fosse patético em sua visão. Quando adolescente, invejava os amigos com seus primeiros amores e tratava de menosprezá-los, considerava fraqueza tudo o que lhe parecia amável, sensível e belo.
Ao se alistar no serviço militar obrigatório, encontrou novo sentido nas armas em riste e, com euforia, encheu-se com os vislumbres dos horrores da guerra. Fascinou-se pela tortura e lapidou suas palavras para honrar aqueles que a praticaram – esses, chamava de heróis. Em sua vida adulta, considerou fraco todos os que não enxergassem a violência como um sinal de força. Desprezava mulheres, gays e marginalizados. Certa feita, deitado sozinho antes de dormir, sentiu euforia imaginando diferentes maneiras de lhes roubar a dignidade, de lhes infligir dor e fazer com que sentissem medo. Alimentava com toda a sua verdade os seus pensamentos mais cruéis, e enxergava de forma cristalina o prazer diante da morte e dor do outro, sobretudo dos que considerava seus adversários. Em momentos trágicos, caçoava da perda alheia – “Vão chorar até quando?” – Dizia, assim, sorridente e debochado, e na mesma naturalidade arrastava qualquer um para o abismo de sua indiferença em busca de um prazer pessoal inexplicável e intraduzível. Seus olhos sobrevoavam aquele vale de ossos secos com a satisfação de quem conta longas histórias sobre as próprias conquistas, reinando soberano em um trono de pó.
Um dia, viu-se cercado pelas imensas copas das árvores que se ergueram sobre os túmulos daqueles que suas palavras e ações sepultaram. O ódio que semeou rendeu frutos que alimentaram as multidões que se voltaram contra ele, enquanto o tempo se encarregou de enfraquecer os alicerces das suas mais sólidas convicções. No fim da vida, enxergou sua trágica e patética biografia se equilibrando como espada de damocles sobre a própria cabeça e, como em um deja-vú, enxergou-se nu, sozinho e vendado no vazio do horizonte. Foi nesse momento que respirou um ar frio e empoeirado que lhe paralisou os pulmões, amorteceu o olhar e lhe roubou o calor do corpo. Do frio na espinha para o seio da face, ainda que discretas, pequenas lágrimas irrigaram os seus olhos, rompendo a espessa e sólida barreira do seu frágil ego, alcançando a luz do sol para lançar-se do alto de seu rosto e explodir no chão como um gatilho aciona o ferrolho e dispara um projétil letal. Completamente aterrorizado, sentiu uma estaca gélida atravessar-lhe o coração, rompendo artérias e lascerando a carne. Assim lhe pareceu a sensibilidade, e foi dessa forma que sentiu-se humano pela primeira vez, e de certo, tarde demais.
Frederico Lopes é artista, curador e educador, graduado em artes pela Universidade Federal de Juiz de Fora, especialista em gestão cultural pela FAGOC. Atuou no setor de curadoria e expografia do Museu de Arte Murilo Mendes de 2013 a 2017. Integrou a equipe de implementação do Memorial da República Presidente Itamar Franco, onde também trabalhou na curadoria e na coordenação da divisão de educação até 2021. É fundador da Instituição Cultural Bodoque Artes e ofícios (2012), da Revista Trama (2019), do Museu de Artes e Ofícios de Juiz de Fora (2020) e do Laboratório de Criação em Artes Visuais e Design (ARTELAB – 2020). É membro do Conselho Curador do Memorial da República Presidente Itamar Franco e suplente da vice-presidência do Conselho Municipal de cultura na cadeira de artes visuais. Também atua como designer na editora Harper Collins. É autor do livro: Ensaios sobre Arte e Cultura (2022).
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