No presente ensaio, analisaremos a obra “La casa de Bernarda Alba”, escrita em 1936 por Federico García Lorca. Apesar de ter estreado em 1945, em Buenos Aires, ela só pôde ser encenada na Espanha, terra natal do autor, em 1964, em razão da censura do regime franquista, grupo conservador responsável pela prisão e execução de Lorca em 1936. O autor buscava, em seus trabalhos, retratar a essência humana e revestir o teatro com uma mistura harmônica de realidade e lirismo, expressando as dores, alegrias, amores, desejos e problemáticas dos homens e das sociedades. Para ele, o teatro deveria, além de causar prazer, denunciar os problemas sociopolíticos e dos relacionamentos humanos (AZAMBUJA, 2004).
Nesta obra, as críticas de Lorca se concentram no papel social da mulher, que se resume a um ideal de esposa, filha e mãe, no qual uma mulher deve ser totalmente submissa aos homens, dócil e casta, repudiando qualquer tipo de ambição, paixão ou desejo sexual. Havia apenas dois destinos: casar-se e ser submissa ao marido; ou permanecer solteira e submissa às figuras paternas e/ou masculinas de seu lar. Na casa de Bernarda, na ausência de uma figura masculina, o destino de cada filha foi determinado por ela, gerando conflitos e intensificando os já existentes.
Esta análise busca os efeitos de um regime ditatorial em suas vítimas, com o intuito de conjecturar o porquê de duas pessoas que, passando por situações tão similares, evitam unir-se por superação, preferindo a rivalidade. Apesar da peça se desenvolver em torno de uma inimiga em comum, Bernarda Alba, o ambiente opressor cria inimizade entre suas vítimas que, ao invés de se unirem, competem entre si. Diante de uma dominação violenta e moral, elas possuem duas escolhas: conformar-se ou lutar. Essas são, consecutivamente, as posições tomadas por Martirio e Adela que, apesar de irmãs, se tornam inimigas diante de um interesse amoroso e única porta de liberdade.
Após a morte de seu marido, Bernarda passa a assumir o papel simbólico de patriarca, posição que lhe traz um prestígio e poder comumente destinados aos homens. É ela quem decide o tempo que o luto durará, quando e com quem cada uma se casará, quando falam e quando se calam. Diante dessa violência emocional, física e social, suas cinco filhas não possuem outra escolha além de recuar. Cada uma delas descobre sua própria forma de sobreviver à Bernarda, quase sempre com um falso respeito e um medo ressentido. A filha mais velha, Angustias, encontra no casamento com Pepe sua rota de fuga da casa materna. A única forma de sair da posição de filha submissa seria aceitar a posição de esposa submissa. Esse noivado, entretanto,
foi o estopim da crise: as irmãs não aceitam bem essa felicidade da irmã e destacam que o interesse do noivo é na herança que ela recebeu de seu pai, primeiro marido de Bernarda. Adela é a mais inconformada com toda a situação, como que sua juventude pedisse pelos sonhos, liberdades e vaidades do mundo. Recusando-se a recuar, Adela começa a seduzir Pepe, sem se constranger com a ideia de roubar o noivo de sua irmã, virando as costas para tudo o que Bernarda defende. Ao mesmo tempo, Martirio, a mais apegada à caçula, muda drasticamente. Ao perceber que Adela está apaixonada, começa a enciumar-se e a tentar controlá-la. Além das duas, Pôncia, empregada da casa, é a única a reconhecer o conflito, mas é ignorada e ofendida pela patroa. A matriarca nunca assumiria, em defesa de seu orgulho, que algo pudesse ocorrer dentro de sua casa sem que ela o soubesse. Mas acontecia e se intensificava a cada momento: a tensão entre as irmãs aumenta após um jantar no qual se descobre um boato de que Pepe rondava a casa Alba de madrugada. Discutindo, Adela toca no cerne da questão: a raiva da irmã por não ter idade e, quando teve, não ter tido a coragem de fazer o que ela fazia. De madrugada, Adela sai para encontrar-se com Pepe. Martirio, que segue a irmã, confessa amar o homem e que não aguenta vê-lo com a caçula. Ela não se incomoda com o noivado de Angustias, pois sabe que não há amor, mas é diferente vê-lo apaixonar-se por Adela. As duas discutem e são ouvidas, criando uma confusão que culmina com o suicidio da jovem. Bernarda não se deixa afetar com a perda, preocupa-se apenas com a imagem da família, enquanto a única reação de Martirio, pensando ainda em sua dor, é fria: “Dichosa ella mil veces que lo pudo tener.” (LORCA, 2007, p. 172)
Dessa forma, vemos algumas das consequências desse regime: graças à dominação castradora de Bernarda, todas as suas filhas possuíam desejos reprimidos, criando mágoas e ressentimentos. Pepe foi o pretexto de uma guerra que aconteceria de qualquer forma, considerando que todas tinham motivos para criar intrigas e revoltas, uma vez que a relação entre elas já estava ruim. Bernarda impediu qualquer possibilidade das filhas se verem como amigas. Buscando proteger os valores em que acreditava, tornou-os inviáveis para elas, criando um ambiente hostil, onde a confiança não sobrevive. Adela e Martirio poderiam ter feito a diferença na realidade da casa de Bernarda Alba, questionando os desmandos da matriarca. Mas, por não perceberem quem era a verdadeira inimiga, nada mudou e ninguém ganhou.
Referências bibliográficas
AZAMBUJA, Kristianny Brandão Barbosa de. Autoridade e Liberdade: um conflito permanente em A casa de Bernarda Alba, de Federico Garcia Lorca. In: XX Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos – GELNE, 2004, João Pessoa. XX Jornada Nacional de Estudos
Lingüísticos. João Pessoa: ideia, 2004. p. 1319-1332. Disponível em:https://gelne.com.br/arquivos/anais/gelne-2004/PDF/Kristianny%20Brand%E3o%20 Bar bosa.pdf Acesso em: 06/4/2020.
GARCÍA LORCA, Federico. La casa de Bernarda Alba. Buenos Aires: Longseller, 2007.
Isabela Cordeiro dos Santos, 23 anos, é uma professora de línguas portuguesa e espanhola do Rio de Janeiro. Faz especialização em língua espanhola e suas literaturas, com foco em um ensino literário de qualidade na educação básica. Seus interesses abrangem literatura clássica e contemporânea, teatro, cordel, artes manuais, filmes, séries e músicas.
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