Matamos poetas a domicílio

FIGURA 1 Meme. Autoria desconhecida. Possivelmente algum artista produzindo conteúdo de forma não-remunerada para a mídia social 

Breves notas sobre arte e o ofício de artista 

Sempre acreditei ser especialista em ir embora. Nunca me senti parte ou me demorei em nenhum lugar. É nesse vazio que se substanciam as histórias, as vidas, os rostos, as vozes todas, e o tempo. É lá que conversam o alquimista e a senhora que cozinha para os famintos. Em algum ponto desse lugar invisível está guardado o Aleph que contém a todos nós. O vento que brota ou sopra daí fecunda a vida e a morte. Contudo, talvez a própria passagem implacável do tempo sobre o corpo, e quem sabe sobre a memória, venha dificultando cada vez mais essa tarefa de partir. Nunca estive tão próximo dos meus colegas quanto nesta empreitada na Trama. Jamais aprendi tanto sobre o meu ofício, os dias debruçado sobre os trabalhos dos pares, ocupado da imensa tarefa de editá-los, cuidar deles e de suas personagens, e de seus versos que são estradas diurnas ou labirintos noturnos, de poder olhar suas personalidades mais nuas. A figura do editor sempre me atraiu imensamente e me parece, nesses treze anos de jornada, que vem diminuindo aos poucos. Cada vez temos menos bons editores e menos autores abertos a um exame sincero de seu trabalho. Essa oportunidade a Trama me deu. Descobri novas vozes e dialoguei com elas. É um ofício de atenção: ouvir mais as vozes baixas, ouvir menos as mais altas, sentir o que não é dito, medir os limites do artista e do editor, assumir a delicadeza do lugar do meio entre o artista e o editor geral, um trabalho de mediação, de garimpo, de backstage. Chegada a hora de partir (dramático!), em meio à alegria em servir de contrarregra para meus amigos e minhas amigas, deixo aqui brevíssimas notas sobre este nosso ofício e sobre a própria arte que temos criado. 

1. Antes burocratas, agora estamos nos tornando artistas especialistas em algoritmo, professores, gestores da arte alheia. Vejo artistas sendo mortos todos os dias à minha volta, enquanto eu mesmo definho junto com eles, diminuindo, ensurdecendo. Aniquilar a arte é um projeto. Ninguém quer extensas reflexões, ninguém tem tempo para ouvir o conceito, ninguém… Mas eles querem consumir. Que diálogo é possível entre arte, artista, mercado, consumidor (não necessariamente nessa ordem)? 

2. Arte é revolução. O medo da poesia é o medo do caráter oracular da arte. Os donos do poder temem qualquer brisa que os oscile de sobre suas colunatas de mármore (granito, na verdade!), coisa que a arte ama fazer, porque quer profundidade, horizontes, voos em céu claro, ela quer luz. Tudo o que eles odeiam. Quanto menos o povo souber, melhor para a manutenção do status quo! Quanto menos verdade vier à tona, melhor para a manutenção do lauto banquete! 

3. A arte retrata e antecipa a realidade. A arte é a realidade. De quantos fragmentos precisamos para compor o craquelamento de sua atualidade? Precisa-se de emojis para que se interprete mais ou menos a frase. De quantas horas de áudio precisamos para ouvir todas as vozes? É sempre necessário informar #ironia ou #sarcasmo nos posts, stories e legendas? A dancinha na tela é mais vista em horas do que um quadro de Dalí em um dia. Aqui cabe perguntar, ainda: que realidade temos retratado em nossos trabalhos artísticos? 

4. Arte não precisa ser política para ser política. Arte é política. 

5. Em um sistema que não nos acolhe, não podemos competir entre si. Em uma organização social que só nos tolera quando damos provas de nossa capacidade de produzir lucro financeiro, é improdutivo ir sozinho. Quando o colega ganha sete prêmios seguidos, ótimo!, ganham a literatura e as bandeiras que ele carrega. Quando a colega é reconhecida internacionalmente, ótimo!, ganha a cultura brasileira e vamos todas e todos juntos nessa onda de sucesso e lucro. Vamos falar de lucro, sim. Os canalhas só entendem de dinheiro e o artista não pode morrer à míngua. Sucesso não pode ser entendido como ofensa pessoal, menos ainda pelos pares. Eu entendo que os egos se doam pelos sete prêmios, pelo reconhecimento da novata, pelas traduções, pelo dinheiro. Eu entendo. No entanto, entendo também que cada um de nós é parte do mercado, cada um segura uma ponta da teia que forma as conexões artísticas da atualidade (vejam a distribuição no Diagrama de Baran). Quem soltar não larga só a sua ponta, põe em risco o grupo já tão atacado e vilipendiado desde sempre.  

6. “O mundo é horrível, gosta de assassinar a tiros a poesia” (Taylane Cruz). 

7. A arte é imortal. Nós passaremos, ela não. Porque ela é água, serpenteia pelas frestas e segue contando o futuro para o presente. 


Dan Porto é artista, escritor, professor e produtor. Especialista em Linguagens (UFPI, 2022), Especialista em Artes (FSL, 2020). Está estudante de Letras e Literatura de Língua Portuguesa (Unicentro). É porta-voz do ‘Transtexto’ e do ‘Homo Poeticus’, criador dos projetos ‘As Pessoas de Fernando’ e ‘Julho Literário’. Publicou ‘Pequeno Manual do Vestibular’ (2009), ‘Raridades’ (2011), ‘Viver e ajudar a viver’ (2014), Série Poética: ‘Just it’, ‘Carménère’, ‘Xilema’ (2015), ‘A cura da Aids’ (2017), ‘tempo de ninguém’ (2022), além de textos avulsos em jornais e revistas de literatura. Produzindo conteúdo não remunerado no  @danportoeu


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